Gabriel 04/03/2017
Menos aventura, mais diplomacia e tensão política.
No quarto volume de A Roda do Tempo, A Ascensão da Sombra, a saga de Robert Jordan adentra numa nova fase onde os protagonistas deixam um pouco de lado o sentimento de rejeição aos seus destinos presente nos três primeiros livros da série e passam a aceitar mais os papéis predelineados a si mesmos. Agora, a missão que esses personagens têm em mãos é administrar suas ações de maneira a torna-las as mais proveitosas possíveis para seus cargos na história. Não suficiente esse amadurecimento moral, o tom político que outrora dera as caras rapidamente na série, como também o floreamento amoroso e sensual, somado ao certo grau de antiheroismo de alguns personagens, cresce aqui exponencialmente, tornando as tramas mais complexas e segregando o velho tom aventuresco de anteriormente, oferecendo uma roupagem mais séria para a saga.
Há uma dualidade estonteante presente nesse quarto capítulo da obra de Jordan: sem sombra de dúvidas, esse é o livro cujos acontecimentos apresentam-se em maior escala, seja pela quantidade de núcleos que o grupo de protagonistas se divide, como também pela sensação de convergência que os principais elementos da série (seja os Filhos da Luz, os Aiels, os Seanchan, os Abandonados, entre outros) têm aqui, entrelaçando-se de diversas maneiras e catalisando mudanças que refletirão nas próximas partes da saga. Essa culminância escalar que permeia A Ascensão da Sombra, no entanto, não implica que o livro seja mais frenético do que os outros em grande parte do tempo. A gigante quantidade de páginas desse volume me parece mais justificada pela abrangência de personagens do que propriamente por uma ação desenfreada de altas proporções. Sendo assim, há uma epicidade nessas tramas que é contraposta pelo desenvolvimento mais truncado da história.
Se por um lado esse aumento de pontos de vista culmina numa narrativa mais lenta, tem-se como consequência positiva uma maior equipartição dos personagens. A dosagem das tramas individuais de cada protagonista é a mais coesa de todos os quatro volumes iniciais da série, evitando deixar certas figuras deslocadas na história. Rand apresenta ares mais autoritários e egocêntricos aqui, fruto da sua compreensão da relação que dantes tivera com Moiraine, que por sua vez empenha-se em retomar as rédeas do cada vez mais imprevisível jovem de Dois Rios, gerando uma relação fervilhante entre os dois personagens. Inquietante também é a maneira como o relacionamento a priori quase matrimonial entre Rand e Egwene decaí nesse livro, resultado da emergência de novos interesses amorosos, o extremo oposto do que se vê entre Perrin e Faile, cada vez mais próximos. Além disso, o oferecimento de novas informações sobre os Abandonados e outros grupos vilanescos, permitindo ao leitor conhecer a dinâmica entre seus integrantes, fornecem à obra mais um ponto positivo ao elevar tais personagens da categoria de “antagonistas da semana” para facções com divergências ideológicas internas.
Há uma expressão que descreve bem A Ascensão da Sombra, que é o exotismo cultural perpetuado durante todo esse volume. Entranhando de vez em sociedades que noutros livros destacavam-se apenas em curtos lapsos da história, como os Aiels, com suas percepções poligâmicas do casamento e diferentes idealizações de inimizade e honra, ou os Atha’an Miere e o seus constantes retiros à vida marinha, Robert Jordan repete o mesmo acerto dos primeiros volumes da série ao descrever cidades e povos e diferenciá-los quanto aos costumes um do outro, ainda que em alguns casos haja características semelhantes presentes, mas mesmo nessas situações percebe-se uma outra abordagem da mesma moeda pelo escritor, como na consternação populacional de Tear perante a pobreza e os constantes motins em Tanchico devido à crise socioeconômica da região. Dessa forma, há um enriquecimento mais intenso desse mundo nessa parte da saga.
A Ascensão da Sombra pode não ter conseguido equilibrar a sua enorme dimensão dos fatos com o ritmo, que oferece algumas vezes descrições não tão valiosas e repetições de mesmas informações que o leitor da série talvez já devesse saber a essa altura do campeonato, mas acerta ao sanar dúvidas sobre o universo fictício de Jordan, embora crie novas perguntas a serem respondidas, e dá igual atenção aos protagonistas desta história, tanto aos seus heróis como aos antagonistas, que recebem uma áurea mais dúbia sobre os objetivos que têm em mente. Finalizando quase que praticamente em aberto, há um considerável contingente de problemas a serem resolvidos pelos personagens principais dessa recomendável saga.