Lê Golz 24/06/2015Enriquecedor! "Hoje, você vive, criança. Amanhã, você sonha." (p. 97)
Uau! Que livro! Essa leitura veio em um momento que eu ainda estou digerindo as emoções que senti lendo 12 anos de escravidão. Mas neste livro, Aminata Diallo é uma personagem fictícia, porém seu sofrimento é reflexo de todos os negros que sofreram com o início da escravidão. O livro dos negros, lançamento da Primavera Editorial é fascinante de todas as maneiras.
Aos 11 anos, Aminata vivia tranquilamente em sua pequena aldeia, Bayo, na África, até ser sequestrada e enviada a um navio negreiro. Até então Aminata somente conhecia os cuidados dos pais, sua comunidade e sua terra. Mas ao ser acorrentada e submetida as vontades dos toubabus - como eram chamados os homens brancos pelos negros - sua realidade mudara, e agora ela precisava amadurecer e ser forte para sobreviver. Ela fez a travessia rumo às Américas, onde foi vendida nos Estados Unidos. Sua trajetória foi marcada por muitas humilhações, mas ela não era uma africana comum. Dotada de uma grande inteligência, Aminata aprende a ler e escrever, e se virar como pode com aquilo que aprendeu com a mãe, amparar bebês.
O livro é narrado pela própria protagonista, que em 1802, em sua velhice se encontrava na Inglaterra ao lado de um grupo de abolicionistas que reivindicavam mudanças e dignidade aos negros. A escrita do autor é clara e fluida e nos remete a um momento histórico marcante que trouxe tanto sofrimento aos africanos e seus descendentes. Sem dúvidas, as cenas no navio negreiro foram as piores. Não tenho como descrever tamanha crueldade, e acho que todos deviam ler o livro para conhecer esse lado da história da escravidão.
"Ela me perguntou por que eu era tão negra. Eu lhe perguntei por que ela era tão branca." (p. 13)
A diagramação está ótima, o que tornou a leitura muito confortável, com folhas amareladas e fonte em tamanho ideal. A capa é maravilhosa e me agradou bastante. Os capítulos são grandes, mas a história é tão impactante que isso não me atrapalhou. Apesar de fluida, não vou dizer que é uma leitura rápida, pois há mais narrativa do que diálogos, além do conteúdo histórico.
Mas afinal, o que é o Livro dos negros? Assim era chamado o único e maior documento, contendo os nomes e os detalhes de 3 mil homens, mulheres e crianças negras, que após servir às linhas britânicas seriam considerados livres e viajariam para colônias britânicas, a chamada "terra prometida". Mas nem tudo foi bem assim...
"Como ele veio a se tornar meu dono, e de todos os outros? Perguntei-me se ele seria meu dono o tempo todo, ou apenas quando eu trabalhava para ele. Seria ele meu dono enquanto eu dormia? Ou sonhava?" (p. 121)
Com a leitura desse livro tomei conhecimento de fatos históricos até então desconhecidos por mim. Em nota no final do livro, o autor conta o que de fato foi ficção, e o que não foi. Apesar de Aminata ter existido apenas na cabeça do escritor, ela representa as inúmeras humilhações, açoitamentos, períodos de fome e sede, e incontáveis formas de desrespeito aos negros. Desde o início, a leitura é impactante, e eu só conseguia me perguntar com que direito uma pessoa tira diversos seres humanos de suas aldeias e casas, crianças dos braços de seus pais, e separam famílias afim de escravizá-los em outro continente? A diferença de cor lhes davam esse direito? Como Aminata mesmo se perguntou: quem havia tido essa "brilhante" ideia e iniciado tudo isso?
O livro dos negros é mais que um relato comum da escravidão. Conhecemos não apenas o período em que os negros tiveram com seus senhores, mas toda a trajetória que os trouxeram às Américas, e o desejo íntimo de voltarem para sua terra-mãe. Não é exagero dizer que este livro é perfeito. Ele tem um teor histórico muito bem escrito, e uma personagem forte, inteligente e inesquecível. Ao mesmo tempo que nos causa indignação e tristeza, nos traz admiração e encantamento pela luta de uma escrava pela liberdade.
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