Rafa S. 15/02/2010
O livro não é ruim, mas não achei tão bom quanto dizem ser... ( RESENHA COM SPOILERS )
Não quero tirar o mérito do autor, mesmo porque isso seria impossível após tanto sucesso. Mas, com todo o respeito a quem achou o livro excelente, para mim livro de Stieg Larsson foi um pouco decepcionante. O fato é que certas incoerências e escolhas do autor diminuíram em muito meu apreço pela obra. A resenha possui SPOILERS ( trechos importantes da obra ) e, portanto, NÃO deve ser lida por quem não leu o livro e pretende lê-lo.
O primeiro ponto que me chamou a atenção foi a incoerência do autor ao construir a personalidade de Lisbeth Salander. Salander é em vários pontos descrita como uma mulher forte. A hacker chega a lutar, e vencer, fisicamente Martim na parte final do livro. Não obstante isso, Salander, de maneira inexplicável, se deixa abusar pelo seu segundo tutor, e sem oferecer praticamente resistência alguma.
Além disso ela se deixa molestar, salvo me engano, para conseguir um cheque porque precisava do dinheiro. Ora, ela trabalhava numa grande empresa, será que Dragan ( que gostava muito dela ) não a teria ajudado com a questão financeira? Até onde me lembro um dos motivos pelos quais ela se deixa abusar é a necessidade de comprar um notebook. Será que seu chefe rico e que a considerava a melhor funcionária, lhe negaria um notebook? Eu acredito que não. Bem, talvez ela não quisesse pedir a ele o notebook, correto? Eu ainda consideraria a opção de pedir a ele o notebook melhor do que a opção de ser molestada.
Além disso, outros aspectos na Hacker me chamaram a atenção. Veja bem, Salander é descrita como muito inteligente, mas ao ser molestada qual a solução por ela encontrada para oprimir seu molestador? Se deixar ser molestada de novo para filmar o ato. Será que não havia opção mais inteligente a ser tomada? Se ela queria o levantamento da tutela porque não pediu isso ao primeiro tutor que gostava dela? Salander acreditava que o bondoso tutor viveria para sempre ou que seria bom passar a vida toda sendo tutelada? Outro ponto que parece estranho é o fato de uma personagem que ama a liberdade e não gosta de receber ordens, aceitar, sem nada fazer, passar anos sendo tutelada. Salander não é boa em disfarces como mostra o fim do livro? Por que não fingiu ser normal para ter liberdade de poder utilizar como bem quisesse o próprio dinheiro?
Outro ponto que me chamou a atenção na obra é que Mikael após ser alvo de um atirador, janta ou faz um lanche ( não me lembro bem ) na varanda da casa onde estava hospedado. Eu particularmente acredito que nenhum ser humano faria isso, ainda mais um personagem que, segundo o autor, teria tido treinamento militar.
Também não entendi a razão pela qual Martim opta por passear na frente da casa de Mikael e Salander enquanto aquele está em seu porão e esta está nos arquivos. Ele não ia ser avisado pelo guarda dos arquivos quando Salander deixasse o local?
Falando em Martim, ele descobriu o blefe de Mikael e, portanto, sabia que somente ele e Lisbeth sabiam de seus crimes. Me pareceu estranho ele desistir de viver enquanto ainda tinha chance de matá-los e encobrir todo o ocorrido. Na estrada ele levava evidente vantagem contra Salander que estava em uma moto.
Achei também estranha a opção de Harriet em enviar flores a Henrik. Foi uma opção do autor para criar um clima de mistério eu creio, mas, para mim, é algo destituído de lógica, uma vez que o próprio Martim poderia ver as flores e concluir que ela estava viva em algum lugar. Se ela se importava com os sentimentos de Henrik, teria feito algo a respeito usando Anita como intermediária. É o que qualquer ser humano faria na minha opinião.
Além desses fatores ( e posso estar enganado quanto a alguns porque demorei para ler o livro e não tentei memorizar tudo que me desagradou na obra ) certas escolhas do autor me pareceram, no mínimo, lamentáveis.
Primeiramente, o título dá a dica de que o vilão da estória não só é um homem, mas que também não age sozinho. O autor poderia ter usado esse fator criando uma surpresa no leitor e trazendo à baila uma assassina mulher. Isso seria interessante, pois em todo o livro há passagens com dados sobre mulheres sendo vítimas de violência masculina. Não obstante isso, Larsson optou pelo evidente, ou seja, vilão masculino e em multiplicidade.
Um aspecto que também achei desnecessário foi a vida sexual incomum dos personagens. No livro de Larsson todos, ou quase todos, os personagens possuem vida sexual incomum. Isso era realmente necessário? No contexto da obra fica a impressão de que na Suécia quase todas mulheres apanham e que um relacionamento comum entre namorados ou pessoas casadas é algo muito raro.
Por fim, o autor faz a opção de terminar o mistério da obra faltando várias páginas para o livro terminar, obrigando o leitor a acompanhar o desfecho enfadonho da disputa pessoal de Mikael contra Wennerstrom. A meu sentir, a disputa entre Mikael e o financista não daria um bom livro e isso porque não tem nada de interessante. Todos que adquirem a obra o fazem para acompanhar o mistério de Harriet e não para saber se a empresa de Mikael vencerá Wennestrom. Eu concordo que no contexto do livro o autor deveria dar um desfecho a esse ponto, mas será que precisava levar 30 páginas, ou mais, para tratar de um ponto tão secundário? O livro terminando com o desfecho do mistério de Harriet seria uma opção bem mais inteligente e emocionante. Esse foi o primeiro livro que li no qual o clímax da estória ocorre faltando dezenas de páginas para o livro terminar.
Bem, para concluir eu diria que a ideia central do livro é boa, e talvez eu somente tenha criado muitas expectativas em relação à obra, uma vez que li vários elogios à mesma. Contudo, e com respeito a quem gostou do livro, Os homens que não amavam as mulheres é, para mim, uma obra que peca por trazer em seu bojo inúmeras incoerências.
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Agora vou responder ao comentário da Amanda, que será o único comentário ao qual irei responder, uma vez que, ao que parece, minha resenha será tão criticada quanto foi o livro de Larsson por mim.
Bem, obviamente, eu sei que ao criticar um livro aclamado pelo público várias pessoas não irão concordar com o que eu disse, mas eu mantenho minha opinião de que a obra é incoerente em demasia Amanda. Se fosse pouco incoerente, eu não teria me dado o trabalho de escrever uma resenha.
Bem, eu mantenho a opinião de que Salander é a incoerência em pessoa. Eu não acho que é preciso se estar armada para uma mulher se levantar e sair do escritório de um advogado que lhe tocou os seios . Se Salander era apática deveria ser quase sempre assim, e não somente nesses trechos. Aliás, qual a utilidade desses trechos na obra?
Eu concordo que Lisbeth não iria pedir dinheiro a Dragan antes de ir ao tutor, ela é descrita como gênio e não como vidente, mas continuo a achar incoerente a aceitação passiva dela. Erika não pode lhe dar um abraço num trecho do livro, mas o advogado nojento pode lhe tocar os seios?
Salander também é descrita como uma personagem que aparentemente não ficou com muito medo das ameças do advogado não Amanda, porque em nenhum momento ela demonstra muito medo por isso. Se ela realmente tivesse medo, teria mesmo tentado filmar um segundo abuso na casa do advogado? Eu sei que ela passa por um momento de dúvida ao saber que encontro seria na casa, e aí me pergunto como uma personagem inteligente não teria pensado que o advogado queria algo diferente do que poderia fazer num escritório. Será que Salander achou que o advogado queria um clima mais romântico?
Veja bem Amanda, o principal dever de um tutor é adminstrar o patrimônio do tutelado. Ao conceder a tutela o juiz não espera que ali nasça uma relação de quase paternidade, mas sim de supervisão e auxílio. Uma coisa são disposições legais Amanda, outra é a prática, a realidade, e o Juiz conhece a prática. Deixar Salander comandar seu patrimônio é prova de uma confiança enorme e por isso eu não tenho dúvidas de que o primeiro tutor lhe concederia a liberdade se ela assim desejasse. Não precisaria ser de imediato, poderia ser um pedido de liberdade dentro dos próximos anos. Ao invés disso a personagem que ama a liberdade e não gosta de ordens opta por chegar aos 23, 24 anos sendo tutelada? O livro não narra sequer uma elementar tentativa de obter a liberdade e, com todo respeito Amanda, não vejo nada de desrespeitoso em se pedir ao tutor a liberdade na idade dela não.
A opção de se deixar molestada ainda é curiosa para mim. Na melhor das hipóteses o trecho é algo que em nada acrescenta na obra. Lisbeth podia ter se levantado ao ter sido tocada no seios ( ido embora quando o tutor voltou a se sentar, ou lutado, como faria a Salander do fim do livro ) e ter pedido o dinheiro a Dragan. Mas nem isso era necessário. Ela poderia ter cometido um estelionato ainda mais simples do que o descrito no fim do livro, contra alguém que ela sabia não ser boa pessoa. As opções são tão diversas Amanda, que eu continuo a achar que a opção de ser molestada não é algo que uma gênia escolheria.
Bem, como nós sabemos Salander não existe na realidade, é apenas um personagem fictício. Eu só acredito que quem consegue fazer as coisas que ela faz no fim do livro, consegue se sentar na frente de um psicólogo e conversar como gente, apenas isso. Se ela consegue burlar a lei, os bancos, as proteções virtuais, a polícia etc etc etc, eu me pergunto se não conseguiria responder às perguntas simples que um psicólogo faria para saber se ela era, ou não, normal. Como eu disse, Salander é fictícia, e, portanto, pode ser dito que ela simplesmente não queria responder ao psicólogo. Mas então que não seja descrita como alguém que gosta de liberdade e não de ordens, pois não responder ao psicólogo é não buscar a própria independência.
Se você pesquisar um pouco Amanda, vai descobrir que não é preciso ser perfeito para se parecer normal aos olhos de pscicólogos. Salander não teria que fingir demais e nem se esforçar para parecer "normal", bastaria dar um bom dia e conversar como ela, aliás, faz em grande parte do livro. Contudo, quando estava em jogo sua liberdade ela achou mais conveniente não conversar e ganhar um tutor de presente?
Martim ter se matado faz todo sentido quando ele estava de carro e Salander de moto Amanda? Martim é descrito como alguém cruel, eu não acho que pessoas cruéis facilitem as coisas como Martim fez no final do livro não. O que eu quis dizer, e ao que parece não fui claro, é de que ele poderia ter deixado a moto se aproximar, matado Salander e depois voltado para pegar Mikael. As possibilidades são infinitas Amanda, e isso porque estamos falando de personagens fictícios. Eu até achei a luta no porão bem escrita, só achei estranho o personagem cruel e que tanto lutou no porão ter no meio da estrada se matado. Mas enfim, Larsson tinha que gastar dezenas de páginas com Wennerstron no fim do livro e isso impedia que a morte de Martim se estendesse mais ou se desse de um modo mais coerente.
Aliás, Martim escolheu atirar em Mikael correndo mas nunca quis tentar quando Mikael comia sentado na varanda da casa. Curioso esse Martim não? Deve ter sido esse lado curioso dele que o fez passear na frente da casa quando seria avisado da saída de Salander dos arquivos. Aliás, ele também é descrito como inteligente não é? Será que atirar com um rifle cuja bala seria analisada pela polícia era o modo mais inteligente de "sumir" com Mikael? Martim não fez sumir dezenas de mulheres sem deixar vestígios por décadas? Mas quando se vê ameaçado escolhe brincar de tiro com um alvo correndo?
Bem Amanda, eu disse que as flores poderiam indicar a Martim que ela estava viva. Em momento algum eu achei, ou disse, que Martim olharia para o mural e pensaria: "puts, agora ferrou, Harriet está viva!" Eu so acho, ou melhor, tenho certeza de que criaria uma possibilidade, e foi isso que eu disse. Na minha opinião, seria mais simples, e muito mais natural, pedir a Anita para contar a Henrik em segredo e pessoalmente que ela estava bem ( isso poderia ter sido feito anos depois, em qualquer lugar seguro. Anita poderia visitar Henrik no exterior, sabendo que Martim estava em outro continente, não poderia Amanda? ). Mas veja bem, a opção de enviar as flores é o ponto marcante do mistério ao início do livro e por isso eu entendo o uso do artifício pelo autor, contudo, isso não me impede de achar que é algo que ninguém faria.
Sobre as pontas soltas, como eu disse, Larsson precisava sim dar um desfecho à questão do financista. Minha dúvida era se ele precisava fazer o leitor sofrer com o fim do livro ou se realmente acha que a disputa com Wennestron era interessante. Tudo que acontece após o desfecho do mistério poderia ter sido resumido em poucas páginas Amanda. O autor, por exemplo, não precisava descrever até o preço dos alimentos que Salander comprou ao cometer o estelionato. Um começo de livro arrastado é compreensível para mim, mas eu mantenho a opinião de que ser prolixo no fim do livro fez cair a qualidade da obra. O clímax no fim é algo que vemos em todas boas estórias, sendo usado até em trailers.
Bem, legal da parte do Larsson escrever o livro para denunciar os maus tratos das mulheres Amanda. Eu só não sei ao certo se isso determinava que ele desse dicas no título do livro e no decorrer dele sobre quem era, ou eram, os vilões. Por exemplo, os dados sobre violência poderiam vir ao final do livro, e todos de uma vez, causando um impacto ainda maior no leitor. Mas isso é só um exemplo, eu nem sei se para as pessoas em geral o título do livro ajudou a saber o sexo do vilão Amanda. Eu só acho que um bom escritor de mistério faz com que este seja o maior possível, e apesar de NÃO TER ACHADO O LIVRO RUIM, várias incoerências me chamaram a atenção.
Eu sei que todos os livros possuem certas incoerências, e não preciso que um livro seja perfeito para que eu o considere um ótimo livro Amanda. Eu nem espero que todos concordem com as incoerências que citei. Somente optei por escrever a resenha, porque o livro, para mim, possui incoerências em EXAGERO. Um pouquinho a gente perdoa né?