Letra Capitular 25/07/2017
Adeus às Armas: A inevitabilidade da guerra e a fragilidade do amor
“Queria esquecer a guerra. Eu havia declarado a paz em separado.”
Ernest Hemingway é um dos escritores mais conhecidos da dita “geração perdida” – escritores estadunidenses famosos que se exilaram na França durante a década de 1920 – esta geração que vivenciou em sua juventude a primeira guerra mundial, e durante a fase adulta a grande depressão é composta também por outros renomados autores como T. S Elliot e F. Scott Fitzgerald. (Esta geração de escritores aparece no filme de Woody Allen – Meia noite em Paris [2011]).
Existem autores que se tornam tão populares que são capazes de marcar profundamente o nome na história e na cultura. É o caso dele, sua imagem é tão cercada de excentricidades que se torna difícil separar mito da realidade (Hemingway já sobreviveu a duas quedas de avião, teve seus livros queimados pelos nazistas, e segundo o ‘The Guardian’ foi recrutado para ser espião da KGB nos EUA em 1941). Sua vida é recheada de histórias, afinal cresceu acompanhando o pai – que era médico – na zona rural de Illinóis (EUA) um ambiente pobre e rude. Posteriormente durante a juventude, se alistou no exército italiano e participou da primeira guerra mundial como o motorista de uma ambulância e lá conheceu a irracionalidade de uma guerra altamente destrutiva (10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos). Também atuou como repórter acompanhando a luta contra o fascismo na guerra civil espanhola, morou em lugares diversos do mundo como França, Espanha, e Cuba. Durante sua vida, várias vezes foi classificado como “simpatizante do comunismo” e era vigiado de perto pelo FBI.
Deixou uma produção literária vasta e foi reconhecido pela crítica como um dos escritores norte-americanos mais notórios. Seu livro “O velho e o mar” é ganhador do prêmio Pulitzer em 1954. Outros livros importantes seus publicados são: “O Sol também se Levanta” (1926); “Morte à tarde” (1932); e “Por quem os sinos dobram”, (1940).
O livro Adeus às Armas é publicado em 1929, e foi o primeiro romance do autor publicado depois de sua saída de Paris. Não é talvez, o livro mais importante do autor, mas com certeza, um dos mais sensíveis. Possui um teor autobiográfico muito forte. Afinal retrata a história de Frederic Henry um norte-americano que se alista ao exército italiano, luta na primeira guerra mundial, atuando como motorista de uma ambulância e se apaixona por uma enfermeira depois de ser internado em um hospital após sofrer alguns ferimentos. Contudo diferentemente da ficção, na vida real o amor de Hemingway pela enfermeira nunca foi correspondido, e pouco após o ferimento ele retornou da guerra.
Frederic Henry e Catherine Barkley formam então um casal que encontra no amor uma forma de escapar da realidade dramática e brutal que os cerca. Os passeios simples pelo parque de mãos dadas, os beijos trocados no banco do jardim em frente ao hospital, e até mesmo as noites juntas no leito do hospital (permitidas pelo pedido feito por Henry à direção do hospital para ficar sob os cuidados de Catherine) reorientam a prioridade do personagem principal que aos poucos simplesmente abandona a vontade de lutar na guerra.
A descrição de Hemingway do cenário de guerra é completamente despida de idealismos, nos é apresentado um cenário onde a única lei universal é a “aleatoriedade da morte”, e um ambiente no qual a maioria dos soldados sequer tem ideia de porque e por quem está lutando. A brutalidade inerente a um confronto bélico de gigantescas proporções está presente a todo o momento ameaçando o casal de protagonistas, nos mostrando que “quanto mais intenso o amor, maior sua fragilidade em confronto com o mundo”[1]
Se antes de embarcar como voluntário o personagem possuía uma visão romântica da guerra, como um lugar onde os heróis são formados e sacrifícios pela pátria são realizados, o contato com o campo de batalha rapidamente o faz reaver seus princípios:
“Eu sempre me embaraçava com as palavras sagrado, glorioso, sacrifício e inútil. Nós as tínhamos escutado muitas vezes, de longe, debaixo da chuva, quando só as palavras mais gritadas eram ouvidas, e tínhamos lido em proclamas pregados nas paredes, sobre outros proclamas. Mas não víamos nada sagrado em torno, e as coisas gloriosas não mostravam glória nenhuma. Os sacrifícios seriam como os dos matadouros de Chicago, só que lá fazem outra coisa com a carne que, aqui enterramos.”
Este desencantamento com a guerra e o amor de Catherine contribui para a tomada de uma atitude drástica: a deserção. A partir da tomada desta decisão o casal inicia uma corrida pela Europa percorrendo algumas cidades e lugares da Itália como Milão, Stressa, Pallanza e chegando até a Suiça através de um bote atravessando o Lago Maggiore (no norte da Itália) com o objetivo de fugir do cenário de confronto para vivenciar plenamente seu romance. Os diálogos marcantes, a descrição detalhada dos cenários, a “aleatoriedade” da morte que simplesmente não avisa sua hora de chegada compõe um cenário bem dramático no qual nós leitores torcemos a todo o momento para o sucesso da empreitada do casal e simultaneamente esperamos pelo pior sabendo sempre da impossibilidade de se dizer “adeus às armas”, afinal “(a guerra) não vai acabar se somente um lado se recusar a atacar”.
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