Clube do Farol 12/10/2022
Resenha por Elis Finco @efinco
Olá, pessoa! Chegamos à Antologia, um livro emblemático e deixo o próprio Drummond explicar um pouco, porque mesmo se você tiver a mão todos os outros, lhe faltará este. A Antologia foi organizada pelo próprio Drummond, que afirmou observar certas características, preocupações e tendências que a condicionam ou definem, em conjunto. “Lhe parecendo assim mais vertebrada e, por outro lado, espelho mais fiel.”
Escolhidos e agrupados os poemas sob esse critério, esta Antologia não seguiu a divisão por livros, nem obedeceu à cronologia rigorosa. Ficando os poemas distribuídos em nove seções. Durante a leitura é lícito dar razão a Drummond que já, em virtude da publicação, alertava que algumas poesias caberiam talvez em outra seção que não a escolhida, ou em mais de uma. A razão da escolha para cada sessão foi a tônica da composição ou desejo do próprio autor, conhecedor máximo de sua obra.
Quem, como eu, encontra este depois da leitura de Alguma Poesia, Sentimento do Mundo e Claro Enigma se reencontrará com alguns poemas selecionados destes para esta antologia, e será como beber um segundo copo da mais deliciosa bebida, aquela que mata a sede da alma e que desperta os sentidos e o coração. Em sua nova composição, ganham quase uma musicalidade nova, sem a perda da essência. Como uma canção composta em samba e tocada ao ritmo do pagode, muda-se a leitura e ganha-se em aproveitar como novidade algo já conhecido.
Temos Drummond por Drummond, seu eu, suas coisas materiais e o imaterial. Seus medos, dúvidas e anseios, o novo e o velho que compõe cada uma, mas a Drummond acompanha a poesia e o gênio. Aquilo que até hoje o imortaliza faz com que seja mais um simples homem que viveu. Vemos seu coração nos amores, nos momentos de inspiração e da falta dela, as indecisões que compõem a vida rotineira e das grandes que cabe ao escritor e uma sombra, que me leva a crer em uma síndrome do impostor tão presente aos gênios.
Um homem de dois estados, Drummond vivia no Rio de Janeiro com saudade de Minas Gerais, mas sua dor é que não existia mais a cidade que ele viveu para voltar. Ela já não era mais igual, tudo mudou, mesmo aquilo que continuava igual. Porém, o Rio de Janeiro lhe deu o mar, aquele sonho de água e vento e salgado que Minas não tem, sem uma visão romântica do que deixou ainda que apaixonado pela terra natal.
O pensar nas relações familiares, a linha do tempo passa de quem veio antes, por nós e aqueles que vem após nós. A efemeridade da vida, como tudo é breve e passageiro e, ainda assim, dura através dos tempos na passagem dos genes de um ente a outro. Sobre alguns que existem na lembrança e vão sendo delegados aos registros de sua existência, nós vivemos e entramos na roda do tempo até chegar a nossa vez de sermos aqueles que vieram antes e são lembranças e memórias.
Homenagens, aos vivos e aos que partiram, os sentimentos passam das páginas em estado bruto, permeiam cada letra e pontuação, e existe uma beleza indescritível nisso, afinal que são os amigos? São a família que nós escolhemos ou se nossos ídolos têm aquilo que a atual sociedade falta.
Falando a sociedade, a crítica, o olhar que vê com tristeza os caminhos a que esta segue. A certeza que na solidariedade reside a forma de melhorá-la, uni-la, fazê-la ser o que deveria por essência. Porém, precisa escrever sobre o luto, a perda de vidas trabalhadoras, da desolação dos problemas sociais e da esperança. O pensar em torno da existência e a tentativa de explicá-la, do viver e do existir, uma tentativa de interpretá-la.
Voltando ao sentimento de esperança que nos toca em querer amar e ser amados, provar o amargo do amor que nos causa essa necessidade quase desesperada de o sentir, que nem sempre responde amor com amor, às vezes indiferença e falta de reciprocidade.
Nessa antologia encontramos também alguém que domina de tal maneira a escrita, a poesia que brinca com ela, faz dela um exercício lúdico, que critica sua estrutura engessada, acadêmica, formal e ainda assim fala por meta linguagem da poesia como assunto, dela poesia por ela mesma e da aula de como (se ousássemos) escrevê-la, que ela não existe em torno do assunto de que trata e sim da palavra e da linguagem em que é descrita e, para mim, com uma humildade dada aos grandes de como nós mortais falar dos problemas e dificuldades de se expressar mesmo sentido, de encontrar as palavras certas.
E de poema em poema, seja conhecido ou não, vamos nos aproximando do autor e de nós mesmos, é difícil falar da experiência de leitura, por entender ser única para cada um, mas também igual por beber da mesma fonte. Eu optei por ler uma de cada parte por dia, durante todo o dia parava em vários momentos para ler um dos poemas, e nos intervalos refletia, sentia necessidade de ouvir declamar, (obrigada, Youtube), de ficar mais tempo com o texto comigo, e me peguei lendo em voz alta, sentindo o poema em vários sentidos que não apenas a leitura e a imaginação.
Deu para entender porque este é tido como o autor que mais aparece em vestibulares e Enem, que lhe imputam o título de ter escrito o melhor poema da literatura nacional. Foi uma experiência única me envolver de Drummond, e confesso que terminei com o coração repleto e, ainda assim, à espera de mais.
No posfácio de Zélia Duncan encontrei uma alma afim, na leitura de Drummond ela ia descrevendo como sentia e nas mesmas conclusões, Carlos Drummond era moderno porque até hoje é atual, a poesia dele não ficou datada e, ainda assim, tem algo do tempo em que foi escrito e do hoje. Acho que só consegue entender quem acabou de ler, de sentir. Convido a você para vir se sentir assim, lendo essa obra maravilhosa.
Nesta edição, como nas anteriores, a capa e os extras mantêm a estética da coleção. Como escrevi acima, temos o posfácio de Duncan, lindo, emocionante e com uma analogia que se fez perfeita entre um show cultural e a curadoria de Drummond a sua antologia. Igualmente contém a Cronologia na época do Lançamento (1959-1965), que nos apresenta não apenas Drummond (CDA), mas também o Brasil, a Literatura Nacional e o mundo há época, uma preciosidade que adorna a joia que é esta edição, um verdadeiro presente aos leitores, afinal não apenas o tema, o tempo em que a obra foi escrita serve de base para entendermos o conteúdo da mensagem. E também as: Bibliografia do autor, Bibliografia Seleta e Índice dos primeiros versos.
site: http://www.clubedofarol.com/2022/09/resenha-antologia-poetica.html