asiwithbooks 04/11/2022A Visão mais Ampla e Rica que deveria ficar guardadaEu entendo perfeitamente que Harper Lee é um grande nome da literatura americana e que O Sol é Para Todos é um dos grandes livros estudados no currículo escolar estadunidense, mas sinto que faltam textos de apoio para leitores internacionais entenderem o tom e compreenderem o contexto do tema para não caírem em lorotas.
Mas me assusta ver que esse livro seja uma continuação da história de Atticus Finch que simplesmente destrói completamente a imagem que é criada dele no primeiro livro lançado. No primeiro livro, no auge do personagem "Salvador Branco", Atticus é leal à legislação e à lei para advocar a favor de um homem negro erroneamente acusado de um crime horrível. Neste livro, existe o debate sobre o envolvimento do homem com grupos extremistas da época. E a própria filha, desde o começo, tem dúvidas quanto à índole do pai.
A gente saiu então de um personagem que defende o que é certo para um personagem que é passível, e, de acordo com a própria narrativa, isso acontece pois é um homem branco, velho, que mora no sul dos EUA quando a grande discussão sobre como a sociedade da época estava lidando com descendentes de escravos no país, e que a partir de tudo isso e sua idade, Atticus era passível de agora sair falando para a filha sobre como é lógico participar dessa reunião para "deixar os amigos próximos mas os inimigos mais próximos ainda." Porém em nenhum momento é possível compreender que o que Atticus fala e o que Scout escuta são coisas diferentes. É possível sentir mais disso com as conversas com o tio ao final do livro do que com todas as conversas com o pai.
A única coisa que eu gostei foi como o livro se propôs a trabalhar muito mais na ideia de como em algum momento da nossa vida adulta a imagem do pais herói é completamente quebrada, pois, uma vez que você também é adulto, consegue apontar mais claramente as falhas dos pais do que quando criança ( que você pode até identificar, mas muitas vezes não sabe expressar). A única grande discussão boa foi uma com o Tio sobre como a Scout sempre deixou o pai em um altar para cultuá-lo, e agora ela está desesperada, angustiada, pois ela precisa aceitar que ele não é tão perfeito.
Mas, mesmo para a época que foi escrito, é possível apontar outras obras que trabalham a mudança da sociedade. É a década de Fahrenheit 451, O Homem Invisível, On The Road, Bonequinha de Luxo, A Assombração na Mansão Hill... Livros que possuem já outras formas de abordar esse tipo de assunto do que essa visão muito engessada apresentada nessa edição post-mortem de Harper Lee.