Thaisa 19/09/2023
Essa coletânea de Haruki Murakami possui sete novelas cujo tema principal são homens que perderam mulheres ao longo da vida...
"Drive My Car", que ganhou adaptação e venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, nos leva às reminiscências de um ator que tinha um casamento maravilhoso, mas descobriu que a esposa o traía. Antes de confrontá-la, ela adoece rapidamente e morre - e ele, tentando entender os motivos da traição, decide se aproximar de seus amantes. Vemos um romance trágico, cotidiano e que demanda que esse marido, tão dedicado, precise usar uma máscara perpétua, tanto nos palcos quanto junto da esposa ou dos amantes.
"Yesterday" nos apresenta um protagonista que acaba saindo com a namorada do melhor amigo depois deste propôr que os dois passem um tempo juntos, permitindo que nós observemos como os dois colegas acabam perdendo a mesma mulher, cada por motivos diferentes e com sentimentos distintos.
Em "An Independent Organ", o narrador se torna um conhecido do famoso Dr. Tokai, um cirurgião plástico que dorme com as mais variadas mulheres sem jamais se apegar à elas. Até que ele se apaixona perdidamente por uma moça casada e começa a definhar, infectado pelos maus que só a paixão pode causar.
Em "Scheherazade", um homem inválido recebe diariamente a visita de uma mulher que sempre conta-lhe as mais loucas histórias, desde tramas corriqueiras até antigas memórias de quando ela era uma enguia em outra vida, levando o leitor a se perguntar se o protagonista está mais apaixonado pela moça ou por suas narrativas.
"Kino" é uma trama complexa de um jovem que abre um bar, conhece um estranho cliente, se interessa por uma jovem que sempre aparece no local com um rapaz, se envolve com a máfia, tem seu estabelecimento invadido por cobras e, na distância, compreende que nada é por acaso, aprendendo que continuará perdendo amores se nunca olhar para dentro de si e se permitir sentir tudo que está guardado em seu coração.
"Samsa in Love", um destaque pra mim, foca no protagonista de "A Metamorfose", de Franz Kafka. Murakami, que se inspira em Kafka e, como ele, cria situações absurdas para questionar a sociedade e a alma humana, nos mostra uma outra faceta de Gregor Samsa - um Samsa confuso, humano e apaixonado, tão diferente do original que acorda transformado em um inseto.
Por último, o conto que dá título à obra (e vindo de uma coletânea de Ernest Hemingway) aborda os pensamentos de um protagonista que três de suas antigas namoradas tiraram suas próprias vidas, e isso faz com que ele reflita sobre o poder não de suas mortes, mas dos momentos de vida que elas dividiram com ele - e de como a perda de uma mulher amada simboliza perder todas as mulheres que já amou.
É clara a evolução do autor quanto ao tema da mulher: no projeto Murakamando, tenho lido suas ficções em ordem cronológica e enquanto as primeiras histórias mostram personagens femininas de forma objetificada, Murakami parece ter mudado suas perspectivas com o tempo, entendendo mais das mulheres e das questões sociais que as rodeiam. Mesmo que elas não sejam as protagonistas de "Homens Sem Mulheres" e, vez ou outra, são mostradas de forma fútil, a importância delas é vital nas tramas e o tema da perda da mulher percorre todas as histórias, apresentando personagens quebrados, solitários e que refletem sobre o peso que uma pessoa amada pode ter na existência de um ser humano, além do fato de que, na maior parte dos contos, essa perda é resultado das ações dos próprios protagonistas.
O leitor já acostumado com as narrativas de Haruki pode perceber e desvendar elementos tão particulares do autor (como sua semiótica), mas mesmo não conhecendo outras obras de Murakami é possível se deliciar com essa obra fluida, reflexiva e melancólica que faz com que qualquer leitor que já esteve apaixonado se identifique com esses personagens.
Em 7 tramas curtas e rápidas com uma linguagem simples, enxergamos as dores, vontades e dilemas de todos que já perderam alguém na vida; através de metáforas e analogias poderosas, o autor consegue acertar em cheio nossas feridas e despertar sentimentos que vão muito além das páginas...
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