MiCandeloro 21/03/2016
Impressionante!
Hugh Glass sempre foi apaixonado por mapas e por tudo o que eles representavam: mistérios e aventuras. Aos 13 anos, decidiu ser capitão de navio e em 1802, ao completar 16 anos, foi embora a bordo da fragata da Rawsthorne & Sons como grumete. Em 1819, Glass foi capturado pelos soldados de Jean Lafitte em alto mar e, para não ser assassinado, se tornou um pirata. No ano seguinte, o governo americano enviou tropas até Campeche, onde ficava a colônia de Lafitte, explodindo o local. Hugh decidiu não fugir com os piratas e tomou seu próprio rumo.
Depois de muito andar e sobreviver à travessia pelo território de várias tribos indígenas inimigas, o viajante foi pego pelos loup pawnee e quase virou carne de ensopado, porém, após uma demonstração muito inteligente de truques de homem branco que mais se pareceram com magia, os índios interromperam o ritual e acabaram por acolhê-lo. Lá, Hugh permaneceu por quase um ano, tendo aprendido muito sobre como conviver com a natureza e dela tirar os seus melhores proveitos.
Em 1821, Glass seguiu até St. Louis, fazendo novamente contato com o mundo civilizado. Após conseguir se corresponder com o irmão, descobriu para a sua infelicidade que a mãe e a sua amada haviam morrido. Ali as coisas perderam o sentido para ele, e Glass decidiu aceitar um emprego na Companhia de Peles Montanhas Rochosas e partiu para o oeste com o capitão Henry e seus homens numa jornada que transformaria a sua vida para sempre.
Em 1823, em uma missão de reconhecimento de terreno, Hugh foi atacado por uma ursa-cinzenta que protegia seus filhotes. Glass foi rasgado dos pés à cabeça. Seu coro cabeludo pendia em um ângulo esquisito, seu ombros e costas tinham cortes profundos, o braço direito estava caído de maneira não natural, bem como uma de suas coxas estava perfurada, mas o pior dos ferimentos certamente era o do pescoço. As garras da ursa cortaram e expuseram os músculos da garganta, esfrangalhando inclusive a traqueia do homem.
Era questão de tempo até ele morresse, mas o corpo de Hugh resistiu bravamente, mesmo que inconsciente, fazendo com que o capitão tomasse uma decisão: deixá-lo para trás, aos cuidados de Fitzgerald e Bridger, para que a Companhia não se atrasasse ainda mais. O grande problema foi que seus companheiros o traíram, o roubaram e o abandonaram no local, sem equipamentos ou ferramentas para se defender de animais ou índios, ou para caçar e erguer abrigos. Glass agora só contava com a sorte e seu vasto conhecimento em técnicas de sobrevivência. Será que ele conseguirá se recuperar e ir atrás daqueles que jurou vingança?
Querem saber o que vai acontecer? Então leiam!
***
Para quem não sabe, O Regresso, de Michael Punke, foi adaptado para os cinemas com o mesmo nome, estrelado pelo divo Leonardo DiCaprio que, inclusive, ganhou o Oscar de melhor ator por interpretar Hugh Glass. Foi por este motivo que o meu interesse pela obra surgiu. Como sempre acho que os livros são melhores que os filmes, decidi conferir primeiro a história em seus mínimos detalhes para depois apreciar o longa e, claro, compará-lo.
A narrativa, em terceira pessoa, se inicia com o momento em que Glass é abandonado pelos caçadores e jura vingança, nos fazendo compreender de imediato o que ele sentiu ao ser deixado para trás, se sentindo traído e completamente vulnerável. Logo após, o autor tenta nos inserir no contexto do enredo, tecendo milhares de explicações históricas acerca da disputa entre os homens brancos e os indígenas pelo território selvagem e o avanço do comércio de peles na época.
Afora isso, durante o tempo em que os caçadores se encontram na floresta, Punke escreve cenas extremamente descritivas, de páginas, elucidando sobre como se caça, estripa os animais, curte o couro, seca a carne e se defende de ameaças, dentre outras coisas.
Em primeiro lugar, acho que até agora não consegui compreender direito todos os fatos históricos informados no texto, porque são muitos, e eu não conheço praticamente nada do que houve naquele período nos Estados Unidos. Em segundo lugar, me senti literalmente imersa em um daqueles programas de sobrevivência, de tanto que aprendi. Quase senti o cheiro da mata, o frio das nevascas e nauseei nas viagens nos rios. Por esses motivos, confesso que o início da leitura foi bastante lento e cansativo e tive muita dificuldade em me prender à trama.
Entretanto, bastou que Hugh sobrevivesse ao ataque da ursa e começasse a sua peregrinação em busca de Fitzgerald e Bridger para que eu ficasse louca de curiosidade para descobrir se ele ia conseguir matá-los ou não.
Se tem uma palavra para representar este livro é: impressionante. Fiquei embasbacada, do início ao fim, com tantas intempéries pelas quais o protagonista passou e se manteve vivo. Gente, se super-heróis existissem, diria que Glass era um deles, disfarçado de capitão de navio/pirata/caçador. E sabem o que é mais incrível nisso tudo? É que essa é uma história real!
Durante toda a leitura fiquei me questionando sobre isso, já que o autor sempre foi tão minucioso no relato dos eventos, para me deparar com as últimas páginas onde Michael diz que sim, que a maioria das coisas que ele escreveu aconteceram, deixando para a sua imaginação apenas as pontas soltas que ele encontrou em suas pesquisas. E isso fez com que O Regresso se tornasse ainda mais admirável e surpreendente. Hugh é um personagem muito forte que não teme a morte, ja que é movido pelo desejo cego de vingança, talvez o sentimento responsável por mantê-lo vivo até nas situações mais improváveis.
Apesar de ser um exemplar que não irá agradar a todos, por seu conteúdo diferenciado e peculiar, e por sua escrita tão detalhada e morosa, O Regresso é válido pela discussão ali apresentada, acerca da ganância do homem branco que não mediu esforços em dizimar a população indígena da região em prol do comércio de peles; e da comunhão que alguns possuem com a natureza, uma relação construída de maneira desigual e perigosa, que mostra o quanto somos insignificantes frente à grandiosidade e a perfeição do mundo natural.
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