@KrolChacon 14/04/2014
Resumo do livro “Preconceito Linguístico – O que é, como se faz”.
Preconceito Linguístico – O que é, Como se faz, é livro didático é publicado pelas Edições Loyola. A obra está dividida em quatro partes e um anexo: I – A mitologia do preconceito linguístico; II – O círculo vicioso do preconceito linguístico; III – A desconstrução do preconceito linguístico; e IV – O preconceito contra a linguística e os linguistas. O anexo é uma carta enviada pelo autor à revista Veja.
Para o autor "tratar da língua é tratar de um tema político", já que também é tratar de seres humanos: "O preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre a língua e gramática normativa"
Marcos Bagno diz que a língua é como um rio que se renova, enquanto a gramática normativa é como a água do igapó, que envelhece, não gera vida nova a não ser que venham as inundações.
O preconceito linguístico vem sendo alimentado diariamente pelos meios de comunicação, que pretendem ensinar o que é "certo" e o que é "errado", sem falar, na gramática normativa e os livros didáticos. No livro o autor defende com vigor a língua viva e verdadeiramente falada no Brasil. Para superar os preconceitos linguísticos, no primeiro capítulo o autor revela, enumera e desmistifica alguns mitos consagrados:
MITO N° 1: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Bagno argumenta que este mito é prejudicial à educação porque retira a variabilidade linguística do que é ensinado nas escolas e passa a ideia da existência de uma única língua comum a todos os brasileiros, não se levando em consideração os múltiplos fatores inerentes a cada grupo da população. O alto grau de variabilidade e diversidade linguística no Brasil tem como uma de suas causas a injustiça social, geradora de um abismo linguístico entre a norma padrão e não-padrão. Assim, se este mito for tido como verdade, haveria, como os sem-terra, os sem-língua, a grande maioria dos brasileiros que não tem acesso à “norma culta da língua, aquela norma literária, culta, empregada pelos escritores e jornalistas, pelas instituições oficiais, pelos órgãos do poder.”.
Apesar de a grande parcela dos brasileiros falar o português, não se pode dizer que haja uma “homogeneidade linguística”, pois há uma imensa diversidade linguística presente na língua. As instituições voltadas à educação precisam desmistificar o conceito de “unidade”, para “melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada”, que traz para a sala de aula uma bagagem linguística que difere da que, naquele ambiente, será ensinada. É como se o aluno fosse aprender a língua estrangeira de sua própria língua.
MITO N° 2: “Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português”. A grande mitificação que confere ao português de Portugal “superioridade” em relação ao “português brasileiro” tem raízes histórias, pois ainda temos o complexo de termos sido colonizados por um país tido como “civilizado”, ideologia, aponta Bagno, “impregnada em nossa cultura há muito tempo”.
Dizer que o brasileiro não sabe o português e que só em Portugal se fala bem a língua é um mito reproduzido dentro das escolas. O português falado no Brasil, embora não se reconheça formalmente, já possui uma gramática própria e muito se distancia do português de Portugal. Tanto que em alguns casos, no intercruzamento dos dois, há sérios níveis de incompreensão no uso da língua entre ambos. Também na estrutura gramatical da língua, os dois países já se distanciaram em muito.
Bagno afirma que no que diz respeito ao ensino do português no Brasil, o grande problema é que esse ensino é até hoje voltados para a norma linguística de Portugal. Por isso, o erro de se pensar que o português só tem seu nível de “correção” se ouvido da boca de portugueses, como se eles falassem tudo “certo”. Isto fere nossa identidade, que é também marcada pelo livre e independente uso de nossa construção da língua.
O certo é que o errado não existe. Brasileiros e portugueses cometem seus desvios naturalmente, sem que isso prejudique a andar da língua ou sirva, tendenciosamente, para justificar que em Portugal, por originar o idioma, seja mais “puro” linguisticamente que o Brasil. A gramática normativa estabelece e obriga os brasileiros a falarem um português de Portugal, quando já deixamos, há tempos, a condição de colônia e já superamos Portugal em todos os âmbitos possíveis, como econômico e a dimensão territorial. É óbvio que um país com as dimensões do Brasil, muitas vezes maior que Portugal, inevitavelmente, tem razões óbvias para que suas variantes sejam mais vivas que as da península ibérica.
MITO Nº 3: “Português é muito difícil.” O problema é que as regras gramaticais consideradas “certas" são aquelas usadas em Portugal, e como o ensino de língua sempre se baseou na norma gramatical portuguesa, as regras que aprendemos na escola, em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos que o português é uma língua difícil.
Para o autor essa afirmação consiste na obrigação de termos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós. No dia em que nossa língua se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil, é bem provável que ninguém continue a repetir essas bobagens. Todo falante nativo de uma língua sabe essa língua, pois saber a língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela.
A regência verbal é caso típico de como o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Por mais que o aluno escreva o verbo assistir de forma transitiva indireta, na hora de se expressar passará para a forma transitiva direta: "ainda não assisti o filme do Zorro!".
Tudo isso por causa da cobrança indevida, por parte do ensino tradicional, de uma norma gramatical que não corresponde à realidade da língua falada no Brasil.
MITO Nº 4: “As pessoas sem instrução falam tudo errado". Isso se deve simplesmente a uma questão que não é linguística, mas social e política – as pessoas que dizem “Cráudia” ou “pranta” pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação forma e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sobre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada "feia", "pobre", "carente", quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola.
Assim, o problema não está naquilo que se fala, mas em quem fala o quê. Neste caso, o preconceito linguístico é decorrência de um preconceito social. Brasileiro não saber português afeta o ensino da língua estrangeira, pois é comum escutar professores dizer: os alunos já não sabem português, imagine se vão conseguir aprender outra língua, fazendo a velha confusão entre a língua e a gramática normativa.
MITO Nº 5: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”. Diz ser este um mito sem nenhuma fundamentação científica. Mais um preconceito analisado é a tendência muito forte, no ensino da língua, de obrigar o aluno a pronunciar "do jeito que se escreve" , como se fosse a única maneira de falar português,
O que acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é o mesmo que acontece com o português de Portugal em relação ao português do Brasil: não existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja intrinsecamente "melhor", "mais pura", "mais bonita", "mais correta" que outra. Toda variedade linguística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam. Quando deixar de atender, a ela inevitavelmente sofrerá transformações para se adequar à novas necessidades.
MITO Nº 6: “O certo é falar assim porque se escreve assim”. O que acontece é que em toda língua mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico. A ortografia oficial é necessária, mas não se pode ensiná-la tentando criar uma língua falada "artificial" e reprovando como "erradas" as pronúncias que são resultados naturais das forças internas que governam os idiomas.
MITO Nº 7: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Segundo o autor, é difícil encontrar alguém que não concorde com esse mito. Que se invalida, entre outras razões, pelo simples fato de que se fosse verdade, todos os gramáticos seriam grandes escritores, e os bons escritores seriam especialistas em gramática. A gramática, na visão do autor, passou a ser um instrumento de poder e de controle. A gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela, dependente dela. Como a gramática, porém, passou a ser um instrumento de poder e de controle. A língua passou a ser subordinada e dependente da gramática.
MITO Nº 8: “O domínio da norma padrão é um instrumento de ascensão social”. O mito que fecha o circuito mitológico tem muito a ver com o primeiro, pois ambos tocam em sérias questões sociais. Bagno diz que o domínio da norma culta nada vai adiantar a uma pessoa que não tenha seus direitos de cidadão reconhecidos plenamente e que não basta ensinar a norma culta a uma criança pobre para que ela "suba na vida" Precisa haver um reconhecimento da variação linguística, porque segundo o autor, o mero domínio da norma culta não é uma fórmula mágica que, de um momento para outro, vai resolver todos os problemas de um indivíduo carente.
A transformação da sociedade como um todo está em jogo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja existência mesma exige desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover a "ascensão" social dos marginalizados é, senão hipócrita e cínica pelo menos de uma boa intenção paternalista e ingênua.
O autor do livro descreve a existência de um círculo vicioso de preconceito linguístico composto de três elementos: o ensino tradicional, a gramática tradicional e os livros didáticos. Na visão de Bagno, isso não funciona assim, "a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores, fechando o círculo, recorrem à gramática tradicional como de fonte de concepções e teorias sobre a língua".
Bagno cita o quarto elemento como sendo os comandos paragramaticais, ou seja todo esse arsenal de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas, programadas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, "consultórios gramaticais" por telefone e por a afora, que é a "saudável epidemia" citada por Arnaldo Niskier. O formidável poder de influência dos meios de comunicação e dos recursos da informática poderia ser de grande utilidade se fosse usado precisamente na direção oposta: na destruição dos velhos mitos, na elevação da auto estima linguística dos brasileiros, na divulgação do que há de realmente fascinante no estudo da língua.