Gean 26/11/2023
Vida eterna. Eterna vivacidade.
O absurdo é o divórcio entre o homem e sua vida, é um universo ausente de ilusões, em que o homem se sente um estrangeiro, um desconhecido a si mesmo. Este sentimento, este absurdo, encontraria solução no suicídio.
Noutro lado, fugindo do absurdo, a esperança de uma outra vida sublima e dá um sentido que atrai o indivíduo à vida, ignorante da certeza fatal da morte. Ao contrário, a ausência do sentido do porquê a vida merece ser vivida leva a incontestável verdade de que pessoas se matam porque a vida não vale a pena ser vivida.
Só que não há somente o suicídio da carne, mas também o do pensamento ou filosófico, quando limito a mim mesmo e me escondo atrás de um ponto de vista que é apenas uma representação falsa de mim, ou melhor, nem de mim nem de outro, mas uma condição separativa do meu eu.
Então eu penso que mudarei, que me encontrarei e passo a viver num futuro em que aos poucos o brilho de meus dias se vai levando-me consigo, até que o futuro que eu almejei ? assim como as metas e preocupações ? é rejeitável e lido com a revolta carnal do absurdo.
Surge, então, os filósofos do místico, prometendo-se um encontro com a única saída verdadeira, a qual não existe, exceto com Deus. Devemos o fazê-lo, pois o desespero não é um fato, mas um estado pecaminoso que nos afasta daquele que nos aproxima da verdadeira vida.
Esta resposta é indesejável, bem como não pode deter o homem absurdo, aquele que busca o verdadeiro, não o desejável, e se priva de alimentar-se feito um ?asno? das rosas da ilusão e resignar-se com mentiras, pois o homem absurdo prefere adotar a resposta de Kierkegaard. O Desespero, visto que uma alma determinada sempre acabaria se saindo bem.
?Se eu me mantiver na posição definida que consiste em extrair todas as consequências (e só elas) que uma noção descoberta implica, vou encontrar um segundo paradoxo. Para permanecer fiel a este método, não tenho nada a ver com o problema da liberdade metafísica. Não me interessa saber se o homem é livre. Só posso experimentar minha própria liberdade. E sobre esta não posso ter noções gerais, somente algumas apreciações claras. O problema da ?liberdade em si? não tem sentido. Porque está ligado de uma outra maneira ao problema de Deus. Saber se o homem é livre exige saber se ele pode ter um amo. A absurdidade particular deste problema é que a própria noção que possibilita o problema da liberdade lhe retira, ao mesmo tempo, todo o seu sentido. Porque diante de Deus, mais que um problema da liberdade, há um problema do mal. A alternativa é conhecida: ou não somos livres e o responsável pelo mal é Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-poderoso. Todas as sutilezas das escolas nada acrescentaram nem tiraram de decisivo a este paradoxo?.
Deste modo, como o homem absurdo está totalmente voltado para a morte, aqui tomada com a absurdidade mais evidente, tem-se que a certeza sem fundo e a alheabilidade à própria vida percorrida sem a miopia de um amante são elementos que caracterizam o princípio de uma libertação.
Assim, o homem absurdo é contrário ao homem reconciliado e, no mundo absurdo, o valor de uma noção ou de uma vida se mede por sua infecundidade, de forma que para o reconciliável, não há fronteira entre o que um homem quer ser e o que ele é.
Aos poucos, a metade da vida de um homem vai se passando em subentendidos, olhando para os lados e se calando, até que o autor desta vida se torna um intruso, o que contraria um conceito muito vívido de Nietzsche, segundo o qual o que importa não é a vida eterna, mas a eterna vivacidade. Todo o drama humano está nesta escolha. Ressalta-se, contudo, que esta escolha do homem é feita tanto mais pelas coisas que ele silencia do que pelas as que ele diz, pois sempre chega o momento em que é preciso escolher entre a contemplação e a ação, o que torna um homem, homem.
Para isso ocorrer é preciso pensar, o que, antes de mais nada, é querer criar um mundo, ou limitar o próprio, a partir do desacordo fundamental que separa o homem de sua experiência, buscando, assim, encontrar um terreno familiar engessado de suas razões ou iluminado por suas analogias, de forma que o homem se sinta tal como um nacional em sua terra prometida, alguém não mais estranho, mais sim autor de sua própria vida, resolvendo-se, assim, o divórcio insuportável entre o homem e sua vida, matando-se Deus e se tornando seu próprio deus, isto é, alcançando o atributo da divindade, o qual é mais conhecido como independência, no sentido de que, se Deus existe, tudo depende dele e nada podemos fazer contra sua vontade, ao passo que, se ele não existe, tudo depende de nós, tal como expressam Kirilov e Nietzsche.
?O que resta é um destino cuja única saída é fatal. À margem dessa fatalidade única da morte, tudo, alegria ou felicidade, é liberdade. Surge um mundo cujo único dono é o homem. O que o atava era a ilusão de outro mundo. A sorte do seu pensamento já não é renunciar a si, mas renovar-se em imagens. Ele se representa ? em mitos, sem dúvida ?, mas mitos sem outra profundidade senão a dor humana e, como esta, inesgotável. Não mais a fábula divina que diverte e cega, mas o rosto, o gesto e o drama terrenos em que se resumem uma difícil sabedoria e uma paixão sem amanhã?.
Por fim, Sísifo, consuma sua vitória ao notar que não haveria destino que não pudesse ser superado pelo desprezo e seu destino passa a lhe pertencer, assim como a rocha passa a ser sua casa. Aqui ele foi um homem absurdo, pois disse sim e falou que seu esforço não teria interrupção e notou que não existe um destino superior, mas apenas um, o destino pessoal, o qual ele julga fatal e desprezível e, de resto, notando que é dono de seus dias, convencido, ainda, de sua origem totalmente humana contemplada com todas as sequências de suas ações desvinculadas que foram seu destino e sob o viés de sua memória o selando com a morte.
Portanto, assim como Sísifo, as pessoas encontram seu fardo, ao tempo que aquele ensina que a fidelidade superior nega os deuses ? aqui eu interpreto como aquilo que é contrário a independência, aquilo que é contrário à nossa autoria de nossa própria vida ? e ergue rochas, as quais, a partir de cada grão de pedra e a cada fragmento mineral, cria uma montanha em que nossa luta para chegar ao cume forma, por si só, nosso mundo.