Bruno 28/08/2016
Anjo Malvado
APRESENTAÇÃO
Salve, Salve galera. Começamos essa resenha com uma pergunta. As pessoas nascem más ou desenvolvem a maldade de acordo com o ambiente em que vivem?
Em A Menina Má, do original The Bad Seed (A Semente do Mal) do escritor norte-americano William March, acompanhamos o ponto de vista do autor e os seus personagens em busca dessa assombrosa resposta.
O ano de 1954 foi marcado por grandes lançamentos literários, para citar alguns nomes famosos temos: Eu Sou a Lenda de Richard Matheson, O Senhor das Moscas de William Golding e o incomparável Senhor dos Anéis de J.R.R Tolkien. Quer mais? Se sim, muita gente também considera Menina Má (The Bad Seed) como um grande lançamento de sua época.
Trazido ao Brasil pela Darkside Books em 2016, trata-se do sexto livro do escritor e sem dúvidas sua obra mais famosa e reconhecida em todo o mundo, chegando a vender mais de um milhão de exemplares e sendo elogiada por grandes escritores de sua época.
March teve uma vida cheia problemas emocionais, mentais e inúmeros traumas e infelizmente não conseguiu aproveitar o sucesso do livro pois faleceu de um ataque cardíaco pouco tempo depois de seu lançamento. The Bad Seed ganhou uma peça na Broadway que ficou em cartaz por 322 apresentações e uma adaptação ao cinema em 1956 que rendeu quatro indicações ao Oscar e é aclamada pelos críticos até os dias atuais. Em português, esse filme recebeu o nome de Tara Maldita.
Menina Má é um livro duro que conseguiu extrair de seu escritor o máximo de seus talentos, suas obsessões, perversões e traumas, portanto, não espere brincadeiras de criança. Ainda quer saber a resposta da minha primeira pergunta? Então abra o livro e conheça a doce e angelical Rhoda Penmark e tire suas conclusões.
RESENHA
“--- Sei que Rhoda é uma menina agressiva, e egoísta também. Mas até aí, o mundo inteiro parece estar cheio de gente egoísta e agressiva. Meu marido e eu esperamos que, com o tempo, ela vá deixando esses comportamentos para trás.”
Temos aqui a história de Christine Penmark e sua filha, a meiga e amável Rhoda Penmark. Com oito anos, a garota é totalmente diferente das crianças normais, sendo extremamente organizada, perfeccionista, obediente, madura, educada e assídua na frequência de todos os tipos de tarefas. Essas são as boas qualidades que todos que estão ao seu redor enxergam, pois Rhoda esconde atrás da faceta angelical, inúmeros e assombrosos defeitos. Frieza, manipulação, egoísmo e ganância são apenas alguns exemplos do que a garota apresenta após poucas páginas de leitura.
Conhecendo um pouco sobre a família Penmark, descobrimos que o marido de Christine e pai da menina viajou para a América do Sul a trabalho e ambas vivem em um apartamento de classe alta após uma recente mudança da cidade de Baltimore. Como vivem sozinhas, a mãe é cercada com a ajuda e amizade dos vizinhos, relações estas nas quais a história se apoia para criar bons personagens. O plot começa a ser desenvolvido quando Rhoda, obcecada por um prêmio anual de caligrafia perde a competição para um garoto de sua classe, chamado Claude Daigle e não consegue esconder a sua frustração e ódio por achar o resultado injusto devido ao quanto de esforço e dedicação colocou na disputa.
Durante uma excursão da Escola Primária Fern, o famoso piquenique anual para alunos, um trágico e estranho acidente culmina na morte do menino Daigle, chocando a comunidade local. Rhoda que fora vista junto ao garoto momentos antes de sua morte alega não ter conhecimento do ocorrido e seu comportamento extremamente frio e sem emoções desperta uma curiosidade que acabaria mudando a vida de Christine para sempre.
“--- (…)lhe parecia que o 7 de junho, dia do piquenique da Escola Primária Fern, fora o dia em que sentiu felicidade pela última vez, pois, desde então, nunca mais soubera o que era alegria ou paz."
O livro A Menina Má é muito bem escrito e apesar de ser bem antigo não possui uma leitura travada, característica em algumas obras da época. A trama é contada em terceira pessoa e o autor usa um mecanismo muito interessante de troca de pontos de vista sequencial, como se estivéssemos assistindo a um filme. Enquanto ele está descrevendo o pensamento de um personagem sobre outro, a narrativa troca instantaneamente e já estamos vendo a mesma cena de outro ângulo.
Muitos traumas e obsessões do autor foram claramente colocados durante o desenvolvimento da história, a começar pelo prêmio de caligrafia. March era obcecado por escrita à mão e se auto declarava uma autoridade no assunto e isso explica a temível e assombrosa cobiça da personagem Rhoda em volta do prêmio que é citado durante muitas e muitas páginas. Até o sobrenome da protagonista (Pen = Caneta, Mark = Marca) entrega um pouco mais sobre esse fascínio. Como outro exemplo, podemos citar o tema de homossexualidade reprimida, na qual uma análise da vida do autor pelos amigos e pelos familiares mostram que o próprio era um modelo semelhante ao descrito em um dos personagens do livro. A editora Darkside trouxe como introdução, a análise completa da crítica literária Elaine Showalter que entrega inúmeros paralelos entre a vida do autor e Menina Má, complementando a leitura e conectando inúmeros pontos entre criador e criação.
Muito importante ressaltar que o livro surgiu na era de ouro da psicanálise nos Estados Unidos, ou seja, muitas passagens são ricas na tentativa de entender a psique humana. Quão longe um ser humano está disposto a ir para obter aquilo que tanto deseja? A maldade é uma espécie de semente que carregamos e a qual não conseguimos freiar seu terrível impulso? Até que ponto uma mãe é capaz de estender a mais louca das situações em busca de proteger a sua cria?
Essas e outras perguntas são feitas e respondidas no ponto de vista do autor sobre a obra e em Menina Má, muitos momentos claustrofóbicos e de realidade extremamente bruta são apresentados. As ligações e descrição entre passado e presente são muito bem feitas e com um tempo de execução impecáveis, trazendo apenas fatos relevantes para complemento, sem alongar a leitura desnecessariamente. Em momentos nos quais Christine Penmark escreve algumas cartas, sentimos o desespero da personagem como se estivéssemos em sua pele, trazendo no peito aquela falta de ar e aquele aperto que provavelmente a mesma estivera sentindo naquele momento. Isso também é um ponto positivo para a excelente escrita do autor e a tradução da editora que através de palavras consegue entregar sensações na pele do próprio leitor.
"--- Há um motivo, minha querida, há um motivo psicológico para tudo que fazemos, se nos esforçarmos em encontrá-lo."
O tema psicopatia já é pesado o bastante, mas quando visto em crianças, que sempre nos remete a inocência e pureza, acaba se tornando um tema duríssimo. O autor, que foi alistado e ferido durante a primeira guerra mundial, nos traz a questão do inimigo que pode estar dentro de sua casa, compartilhando de sua boa comida e bebida, sendo homem ou mulher, adulto ou criança. No fundo, atrás de todo rosto e por trás de todas as ações pode-se ter uma semente do mal, que cresceu ou ainda está crescendo. A morbidez do tema foi obra de discussão durante anos e anos e acabou tornando The Bad Seed um livro muito controverso e polêmico em sua época de lançamento e tem o poder de despertar um horror real em suas páginas até hoje.
Foi uma jornada inquieta, mas compensadora. Gostei e recomendo muito a leitura. Gosto das passagens as vezes rápidas e as vezes delongada (sempre no tempo certo ao meu ver). Gosto dos personagens e de suas perversões e gosto muito do final e de sua dureza.
Gostaria de finalizar com os parabéns à editora Darkside com a fantástica arte de Menina Má. O rosto de uma boneca, cortado e revelando seu interior é impecavelmente macabro. A fita de cetim azul contrastando com os olhos e a diagramação interna são um espetáculo a parte. Obrigado pelo esmero de sempre.
E vocês? Acham que a maldade é intrínseca do ser humano? Nascemos maus ou desenvolvemos de acordo com o que temos em nossa volta? Gostou do livro? Vamos bater um papo nos comentários. Deixe sua opinião que é sempre importante.
Grande abraço
“ --- Eu achei que conhecesse meninas más, mas você é a pior de todas”