Amanda 01/03/2018O aço é a resposta - resenha por Ficções HumanasQual é o fator determinante para que um livro seja classificado como Young Adult (Jovem Adulto)? Além de romances, descobertas e dilemas, um dos pontos cruciais para um bom YA é que o leitor possa criar uma identificação com o protagonista, que este seja como eles: jovem. E é nesse princípio que Joe Abercrombie se apoia para iniciar a trilogia Mar Despedaçado.
Yarvi é o príncipe mais novo de Gettland, filho do rei Uthrik e da rainha Laithlin, nascido com uma deformidade na mão esquerda. Isso lhe rendeu todo tipo de piadas e o profundo desgosto e desprezo da família. Fraco, inútil no campo de batalha, insuficiente para governar, apenas meio homem, Yarvi deveria seguir o Ministério e abdicar sua pretensão ao trono, tornando-se conselheiro e curandeiro, mas jamais um rei.
Até que, em uma emboscada, seu pai e irmão são mortos pelos inimigos vasterlandeses. Este é o momento decisivo para Yarvi e é a partir daí que passamos a acompanhar uma jornada de violência, vingança, e, sobretudo, de amadurecimento, autodescobrimento e superação da própria deficiência.
“O sábio espera por seu momento, mas nunca o deixa passar.”
A narrativa de Meio Rei é fácil, ágil, com capítulos pequenos e poucas informações, porém suficientes para uma ambientação no mundo do Mar Despedaçado. Abercrombie não perde tempo em grandes descrições e parte logo para a ação, seja pela espada ou pela diplomacia sagaz do jovem rei. Todos os eventos são narrados em terceira pessoa, porém acompanhando apenas a trajetória de Yarvi. O autor utiliza como recurso introspectivo o itálico, marcando os pensamentos e lembranças do personagem, permitindo que sua construção seja mais aprofundada.
Yarvi, aliás, é um personagem interessante. Sempre marcado pela deformidade da mão, ele é um pária em seu próprio reino, é inseguro, vingativo e muito inteligente. Os fracos precisam se virar com o que têm. Como é característico do autor, não há linhas bem definidas entre bem e mal, certo e errado. Yarvi faz o que tem que fazer. Ele é o personagem que apresenta o maior cuidado com detalhes e contexto e sua evolução torna-se natural pelo que conhecemos de seu caráter.
“O aço é sempre a resposta. O aço não elogia nem faz acordos. O aço não mente.”
O restante dos personagens poderia ter recebido maior carinho na criação porque a falta de maior profundidade não permite uma grande empatia por eles, exceto por um ou outro. A participação feminina na história é boa e justa. A mãe de Yarvi exerce um papel forte na trama, bem como a antagonista Shadikshirram, que, apesar de um tanto caricata, é a propulsora de grande parte da ação.
O que eu mais gostei no livro, o diferencial dele, foi a imprevisibilidade. Partindo de uma premissa tão batida como a vingança de um herdeiro pelos familiares assassinados, era de se esperar uma linearidade na história. E apesar de existirem alguns pontos óbvios, Abercrombie segue fiel ao seu estilo realista e ácido para compor várias reviravoltas e soluções sólidas.
Meio Rei foi uma leitura rápida, surpreendente e que me manteve interessada o tempo inteiro. Um início engenhoso para a trilogia Mar Despedaçado e perfeito para agradar leitores de qualquer idade, tanto para os leitores mais novos, que vão se projetar no jovem rei, quanto para os fãs de fantasia mais experientes.
“– Quando se está no inferno – murmurou Yarvi –, só um demônio pode apontar a saída.”
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