Itamara 29/05/2021"Rugas são cicatrizes das emoções que vamos tendo na vida"Distopia está entre os meus gêneros favoritos porque sempre me provoca sensações conflitantes e trazem a dúvida durante a leitura se o que se passa na história já não é também um pouquinho da realidade.
No caso de "Vamos comprar um poeta", há um convite bem necessário à reflexão: o da importância da arte. Ela pode ser comprada? Pode ser reduzida a números? Ser quantificada? Qual a sua serventia em um lugar no qual todos os objetos possuem marcas e patrocínios estampados, todas as ações são reduzidas a números, estatísticas ou baseadas no lucro?
Apesar de curtinho (menos do que 100 páginas), a obra do português Afonso Cruz consegue nos fazer questionar (pelo menos funcionou comigo) essa necessidade absurda que temos de querer padronizar, materializar ou sempre basear nossas ações em resultados numéricos.
No livro, essa possibilidade de comprar um poeta, assim como se compra um animal de estimação, me fez pensar também na inacessibilidade da cultura, da arte e da literatura por grande parcela da sociedade, já que as prioridades de quem já tem tão pouco acabam delimitando ainda mais suas chances de usufruir de coisas às vezes intangíveis ou, como diria um certo personagem, "sem utilidade".
"Para que é que servem?
Os artistas?
Sim.
Para nada. São inutilistas .
O que é que este poeta faz?
Poemas, respondi eu.
Para que servem?
Para muitas coisas. Há poemas que servem para ver o mar.
Elas olharam para mim, os olhos muito arregalados."