quadrodopollock 30/01/2024
400 páginas sobre o futuro, escritas por alguém que não entende o presente.
TL;DR: Um livro difícil de recomendar por fracassar na sua intenção de dizer qualquer coisa relevante sobre o futuro. Com uma compreensão errada do presente e um desejo por histórias bombásticas, Homo Deus tem um conteúdo extremamente duvidoso (Ou sabidamente errado). O livro é cheio de informações fascinantes que ora são falsas, ora são verdadeiras, ou seja, um campo minado. A forma prolixa e obviamente feita para massas impressionáveis são a cereja do bolo e concretizam este livro como algo que não vale o seu tempo.
Em Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, Yuval Harari se põe uma tarefa hercúlea: Tentar prever o rumo que a sociedade irá tomar. O que é uma premissa excelente justamente na sua impraticabilidade. Essa proposta convida o leitor não só a ouvir e entender ideias complexas, mas também a usar do próprio criticismo para concordar ou discordar do autor. E é justamente essa proposta que tornou o livro atiçante e me fez querer lê-lo (fora a fama do autor graças ao Sapiens). Antes de começar sabia que estava de frente a um livro que seria no mínimo estimulante e no máximo uma mudança de visão de mundo. Após ler, entendo que convite ao criticismo é justamente o colapso da obra.
No início do livro, Yuval Harari conta brilhantemente os principais avanços científicos dos últimos 200 anos e desenha com maestria uma paisagem do rumo da ciência. Yuval é obviamente um historiador habilidoso e inteligente, durante o livro ele faz relações brilhantes entre eventos históricos e conta histórias envolventes e factíveis com essas relações. Porém, no começo do livro, essas histórias têm uma semelhança mórbida: Todos os avanços da sociedade invariavelmente levam a ruína dela. Histórias reais com conclusões dramáticas e chocantes me levantam dúvidas sobre a sua veracidade e a honestidade do autor (especialmente tantas em seguida). Relevei, mas esse foi o primeiro farol amarelo do livro.
Em seguida o livro decide começar definitivamente e parte para discussões aprofundadas: Desandando completamente. Ele segue a estrutura de uma contextualização seguida de previsões do futuro de um dado assunto. A contextualização histórica é sempre estupenda, Yuval seleciona e apresenta informações de forma coesa e envolvente (apesar de prolixa), mas quando ele parte para explicação de conceitos científicos, não se dá bem. Não só por não entender ideias amplamente aceitas, mas também por mal interpretar as referências escolhidas. Yuval frequentemente comete equívocos ao explicar conceitos de medicina e tecnologia, o que normalmente seria tolerável, mas na etapa de previsões do futuro ele baseia suas conjecturas nesses equívocos, invalidando a maioria das suas ideias.
Uma parte significativa do livro orbita a ideia de que as ações humanas são aleatórias ou determinísticas, mas nunca livres (resumido na máxima “organismos são algoritmos”), dessa ideia muito mal fundamentada nas ciências da natureza ele atinge alturas sinceramente surpreendentes, chegando até mesmo a presunção de bater o martelo na existência do livre arbítrio, evidenciando a falta de compromisso com a ciência do livro. E essa falta é muito preocupante quando se faz tantas afirmações sobre o funcionamento das coisas. Yuval não erra sempre, mas o livro como fonte confiável de informação é um verdadeiro campo minado. Uma análise de algumas incoerências fundamentais cometidas no livro pode ser lida no link abaixo.
Além disso, tudo é escrito de forma dolorosamente bombástica. Exemplos de guerra sem sentido são sempre no oriente médio, governos mal intencionados são sempre a Rússia e Coreia do Norte, tudo pode causar uma guerra e tecnologias (falsas) são capazes de iniciar uma distopia a qualquer momento. O livro foi tão obviamente escrito para impressionar massas que a desonestidade exalada em alguns trechos é tangível. Yuval quer te chocar e ele irá dobrar a ciência para esse fim, o que torna o livro uma leitura revoltante para quem tem conhecimentos básicos nos assuntos abordados.
Como as premissas que as previsões de Yuval partem são fracas (ou falsas), não comentarei sobre, mas saibam que elas também são sensacionalistas e difíceis de acreditar.
O livro quer te chocar e está disposto a ir muito longe por isso. Homo Deus tem uma premissa fascinante, mas muito mal executada, apesar dos lapsos de brilhantismo que ocorrem sempre que o autor entra na sua área de expertise. Existem muitas informações fascinantes e verdadeiras aqui, mas a cautela e pesquisa necessárias para garantir que você não está sendo enganado fazem esse livro não valer o esforço. Caso for publicada uma versão revisada com 100 páginas a menos, compre, caso contrário, recomendo qualquer outra coisa.
site: https://medium.com/@emmily.j.g/homo-deus-a-blundering-tall-story-of-tomorrow-d774c912a099