Tudo que deixamos para trás

Tudo que deixamos para trás Maja Lunde




Resenhas - Tudo Que Deixamos Para Trás


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Paulo 19/02/2017

Uma linda história sobre pais, filhos e abelhas
Muitas pessoas que acabam gostando do gênero fantástico o encaram como uma fuga do cotidiano. Magias, dragões e masmorras servem para nos divertir e nos levar a um outro lugar que não o nosso. Mas, algumas obras tem a capacidade de ecoar, de nos remeter a algum problema ou questão de nosso cotidiano. E é isso o que Maja Lunde faz em Tudo Que Deixamos Para Trás: usar o tema da distopia para tratar de assuntos bem reais.

A escrita da autora é bem dinâmica. Ela é feita em primeira pessoa a partir de diversos pontos de vista. Temos então três protagonistas, cada um representando uma temporalidade da história escrita por ela. William, um naturalista do século XIX tentando realizar um experimento com colmeias; George, um apicultor no ano de 2007 que precisa lidar com um filho que não deseja assumir o negócio; e Tao, uma mãe que vive em Sichuan, no interior da China, no ano de 2098 que possui um apego muito grande a seu filho. São histórias aparentemente distintas, mas que possuem as abelhas como o elemento de ligação entre elas. Damos o nome de escrita em mosaico, em que estas três histórias vão fornecendo elementos que completam cada uma delas. E, se podemos de fato dizer, elas se completam de forma muito orgânica. Não vou comentar muito a respeito, caso contrário daria spoilers, mas as três histórias não são distintas, compondo uma linha temporal única que liga tudo e todos em uma narrativa final. Esse padrão de escrita com várias histórias se cruzam e com uma que se passa no futuro também é empregada por um dos meus autores favoritos, David Mitchell. Em Atlas de Nuvens ele usa o mesmo artifício para compor sua história. Só que as histórias seguem de forma linear sem o emprego dos POVs. Acho que a autora poderia ter usado apenas o estilo em mosaico, mas escolhas são escolhas e esta pode ter sido a identidade dela na história.

A relação entre pais e filhos é muito explorada pela autora. Vemos os sacrifícios que os personagens precisam fazer para poder cuidar deles. E nem sempre estes sacrifícios são recompensados na mesma moeda. Vemos o caso de William, por exemplo. Ele é um homem que acabou por abdicar de sua carreira em prol de sua família. Passou a se dedicar à sua esposa e à criação de seus filhos. Tudo o que ele queria era que seu primogênito lhe desse atenção e carinho. Em alguns trechos da história, essa necessidade incomoda e machuca o leitor. Porque percebemos o quanto o filho tem outros interesses que não a felicidade do pai. E isso é um tema constante para aqueles que são pais: nossos filhos irão nos valorizar quando crescermos? Ou o outro tema, desta vez da linha narrativa de George: nossos filhos seguirão nossos passos e assumirão algo em nosso lugar? Entendo o quanto para o leitor, o desejo de George é egoísta, mas, acreditem, isso é mais comum do que parece. Isso porque desejamos que nossos filhos sejam o nosso espelho, quando tal não é verdade. Nossos filhos e filhas são indivíduos com seus pensamentos e desejos próprios. É essa realização que George só conseguirá fazer no final da história e isso o levará a uma espiral terrível. Já a linha narrativa de Tao trata de uma mãe que deseja proteger seu filho de todos os males. E isso é impossível. Não podemos estar presentes em todos os momentos da vida de nossos filhos. Particularmente eu me apeguei muito à essa personagem. Dos três, ela é aquela que possui a trajetória mais difícil e sofrida de todos. Quando ela descobre o livro O Apicultor Cego, eu fiquei muito emocionado.

Tudo Que Deixamos Para Trás não é uma história excepcional, mas, para mim, é um livro essencial para qualquer leitor. Não importa se estamos falando de um leitor que gosta de romance, de fantasia, de terror ou de ficção científica, mas de alguém que gosta de boas histórias. Para quem é pai ou mãe, certamente vai entender os dilemas vividos pelos personagens. E vai se emocionar com as histórias. Para o leitor em geral, vale a pena a belíssima mensagem de nos harmonizarmos com a natureza e entendermos suas necessidades. Maja Lunde é uma autora que me chamou a atenção e eu certamente lerei mais coisas dela.

site: www.ficcoeshumanas.com
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