Monico 15/04/2021
Terror, tristeza, beleza, anseio e perfeição
Neste primeiro volume da coletânea inédita de contos do autor, a DarkSide Books nos traz quinze contos publicados, juntamente com diferentes versões do poema "O Corvo", agrupados em divisões temáticas pertinentes.
Na primeira delas, "Espectro da morte", nos deparamos com uma das maiores características dos contos de Poe: a incerteza. "O poço e o pêndulo" nos aterroriza com o ambiente de expectativa de um condenado à morte durante a Inquisição Espanhola, enquanto nos deixa fixados nas possibilidades de um desfecho, não deixando de surpreender e aumentar a tensão a cada passo narrativo.
"A lâmina descia - sempre incessante, sempre inevitável! Eu arfava e me debatia a cada vibração. Encolhia-me em convulsões a cada oscilar do pêndulo, Meu olhos acompanhavam o pendular, de um lado para o outro, com a avidez do desespero mais despropositado; eles se fechavam espasmodicamente na descida do pêndulo, embora a morte pudesse ser um alívio."
Em "A queda da Casa de Usher", as mansões horripilantes, os climas sombrios e a atmosfera sórdida e funesta nos transporta para um obscuro universo, em que a opulência que devia ser encantadora dá lugar ao terror. Características que se repetem em conjunto com a incerteza no curto "O Baile da Morte Vermelha", o conto representa para mim a máxima do método de Poe, que em uma narrativa simples e linear consegue engendrar medo e curiosidade.
No segundo tema, "Narradores homicidas", Os contos "O Gato Preto", "O Barril de Amontillado" e "O Coração Delator" nos preocupam com suas intensidades e com as extensões da capacidade humana para atos ominosos, em como os narradores responsáveis por tais atos são cônscios dos mesmos. Poe nos atenta para sua perspicácia em conseguir transformar narrativas execráveis em verdadeiras guilty pleasures do público.
"No entanto, está é a questão. Você me acha louco. Loucos não sabem de nada. Você deveria ter me visto. Deveria ter visto como procedi com sabedoria - com que cautela, com que precaução, com que dissimulação me pus a trabalhar! Jamais fui tão gentil com o velho quanto durante a semana que antecedeu o crime."
Em "Detetive Dupin", vizualizamos a capacidade de Poe em navegar por diferentes estilos e gêneros, adentrando ao universo dos contos policiais com "Os Assassinatos na Rua Morgue", "O Mistério de Marie Rogêt" e "A carta roubada", dando ensejo ao desenvolvimento posterior dos nossos conhecidos Sherlock Holmes e Hercule Poirot. Auguste Dupin é a personificação de um espírito altamente analítico, não somente perspicaz. O gênio por trás dele também goza dos mesmo atributos. No meu favorito "O Mistério de Marie Rogêt", baseado em um crime real, Poe foi capaz de, lançando mão apenas de jornais e notícias, solucionar um caso cuja mistério só pôde ser resolvido décadas mais tarde.
"[...] é em virtude de proeminências que evadem o campo do ordinário que a razão tateia seu caminho em busca da verdade e que a pergunta apropriada em casos assim não é 'O que aconteceu?' e, sim, 'O que aconteceu, mas nunca aconteceu antes?'"
Já em "Mulheres Etéreas", Berenice, Ligeia e Eleonora representam diferentes espectros do amor atrelado aos seus maiores inimigo, a morte e o ódio. Três mulheres que morreram, mas não se foram. A abordagem romântica de Poe tem maior representatividade nesses contos, em como algo belo pode surgir da própria tristeza, da sombra de um amor e do luto.
"Àqueles que sonham de dia, é dado a conhecer muito do que escapa aos que sonham apenas à noite. Em suas visões cinzentas obtêm vislumbres da eternidade e, despertando, vibram ao descobrir que estiveram no limiar de um grande segredo."
No tema "Ímpeto aventureiro", os contos "Manuscrito enterrado em uma garrafa" e "O escaravelho de ouro" são o mais perto do gênero aventuroso que podemos perceber do autor, tendo o último uma criptologia que deixaria Dan Brown orgulhoso, envolvente e inteligível. Já em "Não aposte a cabeça com o diabo", Poe zomba daqueles que dizem que seus escritos não possuem moral, deixando explícita uma uma bem questionável.
E, por fim, em sua mais célebre e reconhecida obra "O corvo", Poe nos presenteia não somente com um poema magnífico e que suscita melancolia, anseio e reflexão, mas também com uma introdução escrita pelo mesmo em que detalha minuciosamente o processo de escrita do poema, seu motivos, seu tema, seus efeitos e sua estrutura.
"Quando aliada à Beleza: a morte de uma bela mulher é, indubitavelmente, o tema mais poético do mundo e, da mesma feita, não resta dúvida de que os lábios mais apropriados para evocar este tema sejam o enamorado de luto por um amor."