Bia 21/12/2018Extremamente frustranteO Piano Vermelho me fez experimentar algo que, para mim, não é muito comum. Quando eu fechei a contra capa do livro após ler a última página o primeiro pensamento que me veio à cabeça foi ?não entendi?. Não entendi o desfecho, não entendi a resposta da pergunta principal, não entendi o que o autor queria passar, não entendi a forma dos personagens agirem... Simplesmente não entendi porque esse livro foi escrito. E por isso estou aqui, vendo o dia amanhecer enquanto escrevo esse texto antes de finalmente ir dormir.
Modéstia à parte, eu geralmente sou boa em entender coisas. Nunca fugi do complicado, muito pelo contrário, sempre gostei de algo que desafiasse o cérebro. Mas pelo amor de Deus... Nada em Piano Vermelho faz o menor sentido, todas as pseudo respostas para as perguntas chaves do livro só trazem mais e mais questões e na última página eu ainda estava tentando descobrir exatamente a mesmas coisas que na primeira: O que é esse som? Por que ele faz tudo isso? Como isso aconteceu?
Mas essa não é a melhor forma de começar a falar desse livro. Mais do que confusa, Piano Vermelho me deixou irritada, extremamente frustrada ao ponto de me fazer deixá-lo de lado por dez meses e só pegar novamente justamente porque essa raiva me impedia de fingir que ele não existia. É uma reação emocional que eu poucas vezes tinha sentido antes, então talvez isso aqui seja mais um belo rant (como traduzo isso? Desabafo zangado?) do que uma resenha em si. Mas se já leu até aqui, continua lendo, viu?
A escrita é boa, isso eu tenho que admitir. As palavras colocadas no papel, tirando alguns momentos que se tornam muito repetitivos, são bem pensadas e cumprem a tarefa de prender o leitor, a trama inicial é muito instigante e interessante, a forma de alternar entre o presente no hospital e o passado no deserto também... Mas o livro desmorona antes mesmo de conseguir se construir. Os personagens, que no começo parecem ser bem interessantes, tornam-se insignificantes, facilmente dispensáveis, apenas nomes no papel sem uma personalidade. Philip, o principal, talvez seja três (ou dez) pessoas diferentes. Ele não tem uma constância, algo que te faça conectar com ele especificamente ali. Ellen, a enfermeira coadjuvante, sofre do mesmo problema, mesmo que menor dose.
[não é muito revelador por eu não dar detalhes, mas o parágrafo diretamente abaixo pode ser considerado um pequeno spoiler]
Às vezes parece que Malernan esqueceu que estava escrevendo sobre seres humanos e isso foi muito grave para mim. Algumas cenas são simplesmente inverossímeis demais ou gratuitas e aleatórias demais (cof cof médico nu no meio da noite?) para fazerem sentido. Por exemplo, como alguém se depara com todos os seus colegas de trabalho, em sua maioria pessoas comuns e inocentes como ela, mortos em uma cena digna do mais sangrento dos filmes de terror, corpos despedaçados e desfigurados, sangue por toda parte... E pouquíssimo depois simplesmente senta junto da pessoa responsável por esse massacre para ouvir música? Sem nenhum questionamento, sem nenhuma surpresa ou receio. Isso vindo da mesma personagem que arriscou seu emprego (e talvez até sua vida?) para lutar contra algo que considerou injusto.
Infelizmente, esse não é nem de longe o maior dos problemas do livro.
A forma que os acontecimentos seguem também tem um sério problema de ritmo. Primeiro, o livro tem duas partes, sendo que a segunda, que deveria ser o desfecho, uma espécie de confronto, tem cerca de trinta páginas e algumas delas são sinceramente dispensáveis. Na primeira parte, que é basicamente o livro inteiro, a maioria das coisas parece simplesmente irrelevante, porque não há nada de concreto. No deserto, Philip e seus companheiros de deparam com uma série de visões estranhas e acontecimentos inexplicáveis, mas isso nunca realmente afetam a jornada deles, apenas serve para adicionar ao mistério. No hospital, perguntas e fragmentos de lembranças também não fazem muito diferente. São como instalações em uma estrada, por mais interessantes que possam ser, duram apenas o tempo da passagem e não interferem no caminho.
Como tudo que acontece na maior parte do livro são coisas não dão nenhuma resposta concreta, não criam nada novo, acaba parecendo que não está acontecendo simplesmente nada, apenas reforçando tudo o que já se sabe. Depois de mais da metade do livro se eu tivesse que resumir a história que estava lendo para alguém, as únicas partes importantes mesmo seriam as acontecidas bem no começo, algo um pouco mais profundo que a sinopse.
Isso acaba seguindo até o final, mesmo com uma tentativa de mudar. Toda pergunta importante acaba tendo uma resposta enrolada, nada nunca claro, tudo sempre parece que está faltando alguns parágrafos, algumas palavras, algo que definisse uma resposta real e não apenas uma série de palavras vagas que podem fazer mais ou menos sentido dependendo do seu estado psicológico (ou da quantidade de álcool que você tem no corpo), mas definitivamente parecem apenas um balbuciar de um louco ao invés de um desfecho.
Talvez o pior é que esses conceitos jogados sem desenvolvimento são realmente boas ideias. Toda a roda da guerra, todas essas loucuras, me deixariam muito satisfeita de ler, mas elas simplesmente não estão lá, como se Malerman esperasse que o leitor estivesse dentro de sua cabeça e já conhecesse tudo aquilo, então não era necessário falar. Possivelmente é isso que me deixou tão estressada lendo o livro, detesto ver um potencial filosófico desses ser desperdiçado em uma história.
E eu nem vou entrar na questão do final mesmo do livro, o último capítulo, porque é tão tosco e irrelevante que prefiro fingir que ele não foi escrito.
Sendo assim, quando terminei de ler além de não saber o que é o som, eu também não entendi porque o vermelho, por que os bodes (porque a explicação que o livro dá pra isso é fraquíssima), como raios a subexplicação religiosa foi parar no meio de toda essa bagunça... Em resumo, bem mais perguntas do que quando comecei a ler, bem mais frustrada do que eu comecei a ler. Isso geralmente me faria reler pelo menos partes do livro para tentar entender melhor, mas eu cheguei à conclusão que simplesmente não tem o que entender. As respostas não estão lá, as palavras vazias existem para serem completadas como qualquer um bem entender e eu definitivamente não quero completa-las.
Por fim, eu não queria comparar, mas é inevitável. Caixa de Pássaros, o primeiro livro do autor, e Piano Vermelho seguem a mesma forma e falham nos mesmos pontos. O que fez do primeiro para mim um livro bom e do segundo uma total perda de tempo (acho que é a primeira vez que eu considero um livro realmente uma perda de tempo, isso definitivamente significa algo) é a importância do ponto onde eles falham. Caixa de Pássaros é sobre sobrevivência acima de tudo, então a incapacidade de resolver seus mistérios não afeta tanto a história. Já Piano Vermelho é literalmente sobre homens mandados em uma missão para resolver um mistério. Se isso não é feito de forma minimamente satisfatória, nem que para dizer que o mistério não pode ser resolvido, não existe motivo para o livro. Comparando os dois, acabo chegando à conclusão que o autor tem boas ideias e um estilo de escrita bem interessante, mas que realmente precisa aprender a desenvolver melhor suas ideias para que mesmo ?abertas? elas não sejam simplesmente vagas.
Ah, uma última reclamação: O título que escolheram para a versão em português foi péssimo, afeta negativamente a história. Querendo ou não, Black Mad Wheel diz muito mais sobre a verdadeira natureza do livro do que Piano Vermelho.