Valério 30/07/2019
Mais que uma narração dramática
"É isto é um homem?" ficou muito famoso por ter sido escrito e publicado pelo seu autor e narrador em primeira pessoa pouco depois de sua libertação de Auschwitz.
E foi com essa expectativa que iniciei a leitura. Já li muitos livros sobre nazismo e os períodos históricos que antecederam e sucederam essa anomalia. Em primeira pessoa e também narrados por terceiros. Histórias reais, fictícias e misturas das duas. Contadas por alemães, poloneses, ingleses, russos, judeus, dentre outros.
Mas nada é como este livro.
Primo Levi viveu no campo de concentração como judeu, no período mais crítico. E conta com impressionante (mesmo) riqueza de detalhes.
Mas o que mais diferencia este livro dos outros é sua qualidade literária. Primo Levi é um grande escritor.
As frases são fortes, martelam em nossas cabeças, nos levam a sentir o que sentiam prisioneiros judeus (melhor dizendo, nos ajudam a ter uma breve noção. A realidade deles era tão distante da realidade de qualquer pessoa que daí decorre o título do livro: Não eram mais homens. Os prisioneiros tornavam-se fantasmas apáticos, destituídos de vontades, sonhos, imaginação ou mesmo pensamento).
Sofremos imaginando o que passaram. E este sofrimento é necessário.
Porque a humanidade não aprendeu e insiste em cometer o mesmo erro. Coíbe o nazismo como se fosse apenas o nazismo que praticasse as atrocidades descritas. Mas esquece que o nazismo é apenas uma das formas de se praticar o genocídio covarde e ultrajante. Que outras formas de imposição totalitária e absolutista continuaram matando (e mataram muito mais ainda que o nazismo). Contudo, inacreditavelmente, embora a humanidade tenha corretamente abolido o nazismo, continua flertando com ideologias irmãs, como o comunismo, sempre disfarçado no início de socialismo - em nome do proletariado e dos pobres.
As justificativas se repetem e proliferam partidos comunistas pelo mundo.
Que o livro seja lido. Se mais pessoas tivessem "sentido" este livro poderíamos ter evitado tantas outras milhões de mortes. E poderíamos proibir partidos comunistas como já proibimos nazistas.
Grande livro, fundamental para a história da humanidade.
Trechos que destaco:
Ao embarcarem nos trens para Auschwitz:
"Cada um se despediu da vida da maneira que lhe era mais convincente. Uns rezaram, outros se embebedaram; mergulharam alguns em nefanda, derradeira paixão. As mães, porém, ficaram acordadas para preparar com esmero as provisões para a viagem, deram banho nas crianças, arrumaram as malas, e, ao alvorecer, o arame farpado estava cheio de roupinhas penduradas para secar. Elas não esqueceram as fraldas, os brinquedos, os travesseiros, nem todas as pequenas coisas necessárias às crianças e que as mães conhecem tão bem. Será que vocês não fariam o mesmo? Se estivessem para ser mortos, amanhã, junto com seus filhos, será que hoje não lhes dariam de comer?"
Sobre como se comportavam os prisioneiros que ganhavam alguma função:
"basta oferecer a alguns indivíduos em estado de escravidão uma situação privilegiada, certo conforto e uma boa probabilidade de sobrevivência, exigindo em troca a traição da natural solidariedade com os companheiros, e haverá quem aceite. Quando lhe for confiado o comando de um grupo de infelizes, com direito de vida e morte sobre eles, será cruel e tirânico"
Assim se comportam os soldados do exército de Maduro. Assim se comportaram os prisioneiros e se comportam os próximos de líderes como Hitler, Stálin, Mao Tsé Tung, Kim Jong Un, Fidel Castro, Franco, Mussolini e Pol Pot, entre outros.
"Aos pés da forca, os SS nos olham passar, indiferentes. A sua obra foi concluída, e bem concluída. Os russos já podem vir: já não há homens fortes entre nós, o último pende por cima das nossas cabeças e, para os outros, poucas laçadas de corda bastaram. Os russos já podem vir: só encontrarão a nós, domados, apagados, já merecedores da morte inerme que nos espera.
Destruir o homem é difícil: quase tanto como criá-lo: custou, levou tempo, mas vocês, alemães, conseguiram. Aqui estamos, dóceis sob o seu olhar; de nós, vocês não têm mais nada a temer. Nem atos de revolta, nem palavras de desafio, nem um olhar de julgamento."