PorEssasPáginas 31/12/2017
Resenha: As Fúrias Invisíveis do Coração
John Boyne é aquele tipo de autor brilhante, do qual eu leria até sua lista de compras, mas que infelizmente às vezes passa batido da maioria dos leitores. Seu mais prestigiado romance, que inclusive foi adaptado para o cinema, foi O menino do pijama listrado, porém – ao menos na minha opinião – não é, nem de longe, o melhor livro dele, apesar de ser muito bom. É em livros como As Fúrias Invisíveis do Coração que realmente o leitor se depara com o ápice do talento do escritor, em uma obra madura, sincera e visceral.
Se você acha que o Brasil é conservador (e realmente é, tenham medo), não conhece a Irlanda dos anos 40. Lá, a Igreja Católica tinha controle completo sobre o Estado e a sociedade, e os padres mandavam e desmandavam na vida das pessoas, inclusive na sua vida íntima. De fato, era um dos piores lugares para um homossexual viver, e foi justamente lá que Cyril Avery nasceu. Sua história – e o livro – começa com a de sua mãe, Catherine Goggin, uma jovem de dezesseis anos que foi expulsa do pequeno vilarejo de Cork por ter engravidado precocemente e partiu, sozinha, para Dublin, onde entregou o filho para a adoção. Cyril foi adotado pelo casal Avery, Maude e Charles, mas apesar de ter recebido conforto, nunca teve carinho e sequer era considerado “um Avery de verdade”. A vida pacata de Cyril, entretanto, toma um novo rumo quando ele conhece Julian Woodbead e, aos poucos, ao desenvolver um sentimento diferente pelo rapaz, descobre que não se interessa por garotas: em um país intolerante comandado pela Igreja, Cyril é homossexual.
Algo bem interessante é que a história da mãe de Cyril não termina aí, no momento em que ela entrega o filho para adoção; os caminhos de Cyril e Catherine se cruzam por toda a obra. Catherine é uma personagem importante e que influencia o livro de diversas maneiras. As Fúrias Invisíveis do Coração, aliás, é um livro com diversas personagens femininas fascinantes, mesmo sendo uma obra que acompanha a vida de um personagem homossexual. Não poderia deixar de ser, sendo John Boyne o autor, um escritor que cria personagens de maneira brilhante, mas é sim um pouco a se ressaltar. Muitas vezes, na ânsia de retratar um bom romance gay, alguns autores esquecem de retratar os outros personagens ao redor, especialmente as mulheres.
É angustiante acompanhar a vida de Cyril. Você se afeiçoa rapidamente por ele, mas logo percebemos o quanto sua vida será difícil, afinal, ele precisa esconder quem realmente é, e ninguém consegue ser plenamente feliz se não for verdadeiro consigo mesmo e com as outras pessoas em sua vida. Além de esconder sua orientação sexual – e as consequências disso, como, por exemplo, precisar arranjar namoradas e fingir que gosta delas -, Cyril ainda precisa conviver com seu amor não correspondido, o melhor amigo Julian, durante anos. Gradualmente, vemos como a soma de todas estas dores corroem Cyril, como a depressão se infiltra pelas frestas de sua mentira e como isso o leva a considerar o suicídio várias vezes.
Mas nem tudo é tristeza, e temos momentos de felicidade também, e John Boyne os retrata naturalmente. Afinal, o que é a vida de todos nós senão uma colcha de retalhos de pessoas, momentos, tristezas e alegrias? É incrível como o autor constrói uma teia eficiente de acontecimentos e personagens que se interligam, acrescentando cada mais doses de complexidade a eles, mas jamais se perdendo, tudo se encaixando perfeitamente no final. Outro ponto maravilhoso é como todos os personagens, especialmente Cyril, são reais; nós nunca deixamos de amar Cyril, porém algumas vezes ficamos surpresos com os erros intensos e gigantescos que ele comete, na maioria das vezes, por medo. E no fim, nós compreendemos, porque é assim que nos sentimos quando cometemos os maiores erros de nossas vidas: com medo.
“Largue, disse a mim mesmo.
Largue.
Simplesmente caia…” Página 286.
O livro também retrata um dos romances homossexuais mais bonitos e verdadeiros que já li – aliás, este é um dos melhores romances em livros que já li. John Boyne consegue retratar, de maneira belíssima e simples, um relacionamento com seus altos e baixos, as diferenças entre os parceiros, e principalmente o amor – carnal e terno – entre os dois personagens.
As Fúrias Invisíveis do Coração é um livro doce e amargo, mas principalmente, verdadeiro. Há momentos em que você ri, há momentos em que você chora, há momentos em que você sente medo. Se os livros aumentam a empatia de quem os lê, este é um dos melhores livros para tanto; lê-lo é como viver uma vida inteira nas páginas de um livro. John Boyne tem o dom de retratar pessoas, e aqui ele o faz brilhantemente, com uma escrita firme, madura e sem rodeios, uma história emocionante que o fará refletir, sentir e lembrar para sempre.
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