Juliete Marçal 15/04/2020
"A cura não existe."
Esse livro é de uma força e de uma sutileza tão grande que fica até difícil falar dele. É aquele tipo de livro que te deixa sem palavras.
O primeiro ponto que chama atenção em "O Peso do Pássaro Morto", não tem como não ser diferente, é a diagramação do livro, que acompanha a prosa da autora. Basicamente, a forma acompanha o conteúdo.
Nesse livro de prosa poética nós temos uma narrativa em primeira pessoa. Uma mulher, cujo nome não sabemos, está narrando os acontecimentos da sua vida. Mais especificamente, é uma história narrada através das perdas, dores e vazios da personagem. Essas perdas, ela narra através de idades específicas, ou seja, são nove capítulos nomeados conforme a idade da protagonista: 8, 17, 18, 37... até o último capítulo: 52 anos. Cada capítulo tem uma perda, como se fossem fragmentos do diário dessa mulher de acordo com as suas idades.
"entendendo que o tempo
sempre leva
as nossas coisas preferidas no mundo
e nos esquece aqui
olhando pra vida
sem elas."
É possível perceber a diferença da narrativa que muda de acordo com a mudança das idades. Um dos meus capítulos favoritos é o primeiro, "Aos 8 anos". A autora consegue colocar tanta inocência e pureza nessa narrativa, que parece mesmo, ter vindo da cabeça de uma menina de oito anos.
"pensei que a carla voltaria quando cansasse de morrer
e imitaria as borboletas no pátio pro meu medo passar.
Fiquei esperando."
A escrita da autora é maravilhosa! Ela cria umas figuras de linguagem tão bonitas, que me tocaram profundamente, como por exemplo, os aviõezinhos de papel que deveriam levar cartas para os mortos e que insistem em cair no quintal da vizinha, e também o cachorro que se chama Vento.
Dizer sobre o que trata o livro é bem complicado, eu diria, que é um livro que fala do acúmulo do peso que segue a personagem e as lembranças tristes que foram as que mais marcaram ela, fazendo com que a mesma se transformasse no próprio peso.
Aqui nesse livro, quando a autora fala de perda, ela não deixa de falar da morte e de mostrar que a gente morre um pouquinho por dentro cada vez que uma coisa muito triste e dificil acontece na nossa vida. Ela propõe refletir sobre quantas dores emocionais fortes uma mulher consegue suportar em sua vida, os sonhos que não foram realizados, a vida que não foi vivida, o desejo de ser livre como o vento e voar como os pássaros, além de trazer uma visão diferente da maternidade que nem sempre é um mar de rosas.
"mas pra mim era tudo tão
Tarde
o tempo
escorria sem
sono das minhas
mãos."
O livro é escrito de uma forma bastante fluída. Tem muita força e sutileza nas palavras, e tem momentos em que ela é muito crua. A sutileza e a força acabam justamente nessa crueza.
É uma leitura pesada, melancólica e doída, mesmo assim, eu acho que ela manteve a poesia até o fim, mesmo que uma menina de 8 anos veja mais poesia na vida do que uma mulher de 52 que já passou por todo o sofrimento que a protagonista sofreu.
"ser adulto por vezes não deixa a beleza das coisas entrar tão facilmente,
a gente começa a
desconfiar."
Leitura super recomendada! Vale muito à pena! A cada página lida é possível sentir a sensibilidade da autora.
OBS: Sim, a resenha ficou enorme, e, ainda assim, há muito a ser dito e escrito sobre "O Peso do Pássaro Morto". ;)
^^