Tatiane 14/12/2021
Me empolguei!!!
Sabe aqueles quadros que contêm inúmeras imagens, mas que só as enxerga quem, de fato, para pra olhar com atenção, mas também, depois que as enxergamos, fica difícil voltar a ver a imagem básica primeira?
Assim é a vida.
Podemos viver em uma bolha, podemos viver sem enxergar as desigualdades sociais, econômicas, raciais... as limitações das pessoas, os distintos tratamentos. Às vezes, podemos até ver, por um átimo, algo que não pertence ao nosso mundo que nos faça fazer uma pequena ação, mas logo depois a vida segue, as distâncias voltam e os muros se reerguem - para a proteção do "cego", claro.
Quantas Jessicas há no mundo?
Quantos Gary se constroem na sociedade?
Mas há luz no fim só túnel!
Alguns, como Richard, quando enxergam as diversas facetas da pintura não conseguem mais deixar de saber que aqueles traços existem. Mesmo que fechem os olhos, apertem-nos, esfreguem-nos, quando abrem de novo, encontram tudo, tudinho lá, bem na frente.
A verdade é simples: um novo mundo se abre, a perspectiva se amplia, mesmo que dolorosa e confusa, mas bem maior, mais vasta, mais diversa, mais... humana?!
Acho que é isso.
Enxergar os invisibilisados, os subcidadãos, os marginalizados não é fácil, nem é para qualquer um, mas, quando acontece, é transformador e não tem volta.
Mas não nos iludamos! Há cegos em todas as classes, em todas as instituições, em todas as religiões, e também há vários níveis de cegueira.
Aliás, a palavra "empatia", que está na boca do povo, mostra um pouco isso. Seu conceito é muito interessante; entretanto, como toda palavra que vira modismo, seu valor acaba se perdendo em pseudo ações. Ter empatia pelos invisíveis, pelos subcidadãos não é simplesmente reconhecer a sua dor e ser "assepticamente" caridoso com eles. Ter empatia significa conhecer e reconhecer os problemas por que passam, não menosprezar as suas dificuldades e durezas da vida que levam e do ambiente onde sobrevivem, não invalidar suas dores e necessidades, não desprezar sua história e seus traumas, não ridicularizar suas lutas e bandeiras, porque se coloca no lugar do outro nesse sofrimento.
É por isso que "Lugar Nenhum" é simplesmente maravilhoso. Neil Gaiman se apropria fantasticamente da fábula para nos mostrar a luta pela sobrevivência dos pobres e marginalizados em um mundo em que o status, as marcas, as aparências, os ritos e, porque não dizer, até mesmo a cultura - em seu valor mercantil-meritocratico - valem mais que uma vida humana. Não qualquer vida humana, claro! Porque, infelizmente, há vidas e vidas.
Até quando?!
Mergulhar na Londres de Baixo é uma viagem fabulosa com personagens incríveis, mas é também um teste para ver quem consegue ou não enxergar o que está além de seu mundinho, pois nos deparamos com cheiros, imundícies, vida degradante e indigna, na fantasia - é bem verdade - mas bastante verossímil.
Depois de enxergar o que está bem debaixo de nossos olhos, em que mundo vamos continuar vivendo: o real ou o da bolha?