Jéssica 30/07/2021
Não se engane com o título, recomendo a vc futura mãe ou não
"Os homens...a única coisa em que eles estavam interessados eram em bebês homens para dar continuidade a seu nome. Mas por acaso uma mulher não precisava trazer ao mundo a mulher-bebê que mais tarde geraria filhos homens? Deus, quando você irá criar uma mulher que se sinta satisfeita com sua própria pessoa, uma ser humano pleno, não o apêndice de alguém?[...]"
Bom, esse livro me proporcionou tantas sensações e epifanias ao ponto de crer que está resenha será uma daquelas que se assemelham a um vômito de ideias.
Logo nas primeiras páginas Nnu Ego nos é apresentada em pleno desespero e tristeza, buscando uma forma de se livrar desse sentimento como se desfaz do leite materno que escorre de seu peito, o que já se opõe ao título da estória, isso causa ao leitor uma estranheza e curiosidade em saber o que pode estar acontecendo com aquela mãe para que se encontre nessa condição.
No primeiro capítulo conhecemos a história dos pais de Nnu Ego, como cresceram, se conheceram e a geraram. Ao meu ver, Buchi Emecheta usa disso para nos introduzir as origens e costumes do povo de Ibuza, na Nigéria no inicio do século passado, por volta de 1920, e assim contextualiza os valores culturais em que Nnu Ego se constituiu individuo bem como seu papel naquela tribo, na qual os homens possuem diversas esposas e amantes das quais é considerado proprietário, as mulheres são só recebem algum tipo de respeito e valor quando geram um filho homem. Ou seja, a materdida é sinônimo de identidade, você não é uma mulher completa caso não tenha capacidade de dar filhos homens a seu marido.
Buchi narra como se o nascimento de Nnu Ego fosse algo místico, seu pai um importante líder africano perdidamente apaixonado pela mulher arisca e impotente, descrita praticamente como uma deusa, que fora sua mãe. Dessa forma, ao nascer, Nnu Ego se vê pertencente a uma família próspera e privilegiada em Ibuza.
Devido a adversidades em seu primeiro casamento, Nnu ego é enviada para Lagos, capital da Nigéria, para uma segunda tentativa matrimonial. Lá, se depara com Nnaife, um homem de sua tribo já adaptado as mudanças decorrentes da colonização inglesa que ocorria na época. Seu marido era o oposto do homens de sua tribo, era baixo, rechonchudo e trabalhava lavando roupa e peças intimas dos brancos. Porém, ainda sim aquele homem podia lhe proporcionar o que mais desejava na vida, ser mãe.
Buchi Emecheta é a melhor contadora de história que eu já vi, sua escrita é tão envolvente e detalhada que quase não parece um obra fictícia, é como se ela estivesse apenas relatando algo que viveu, e bem..... não deixa de ser, ela nos proporciona uma riqueza de conhecimento cultural de seu povo.
Acredito que isso tenha sido o mais surpreendente nessa leitura, acompanhar uma personagem fiel a seus crenças e valores sofrendo um choque cultural com os novos costumes impostos pela colonização.
Sobre a maternidade, a trajetória de Nnu Ego me gerou uma cascata de emoções, apesar da enorme divergência entre culturas, é possível se identificar com ela.
Como mulher, Nnu Ego sofre em dobro em condição de submissão, tanto em relação aos colonizadores quanto a seu marido,em decorrência da tradição próprio povo que vive a base de uma sociedade patriarcal. Dessa forma, vemos uma mulher totalmente conformada com sua realidade e com alguns lapsos de consciência, tão curtos que é quase como se os deveres atribuídos a ela como mãe e mulher a despertassem desse delírio momentâneo.
Ao fim da leitura refletimos que mesmo tendo uma distância gigantes entre culturas, tempo e até mesmo localização, a mulher ainda é prisioneira ao ideal de maternidade, somos prisioneiras da expectativa que nos é imposta de ser mãe, em alguns casos, do desejo de ser mãe, muitas vezes da incapacidade de ser mãe OU mesmo quando SE É MÃE, somos prisioneiras da forma de criar e educar os filhos da "forma correta" - qualquer desvio de comportamento do filho é responsabilidade da mãe. Quando nos veremos livres disso?....
Com certeza é uma leitura e experiência que vou querer revisitar SE, por acaso, um dia desejar ser mãe.
Acredito que a continuação do trecho que coloquei no início seja a melhor forma de finalizar essa resenha.
"[...] Afinal nasci sozinha e sozinha hei de morrer. O que ganhei com isso tudo? Sim, tenho muitos filhos, mas com que vou alimenta-los? Com minha vida.Tenho de trabalhar até o osso para tomar conta deles, tenho que dar-lhes meu tudo. E se eu tiver a sorte de morrer em paz, tenho que dar-lhes minha alma."