Os Demônios

Os Demônios Fiódor Dostoiévski




Resenhas - Os Demônios


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Diego Rodrigues 19/02/2020

Obra atemporal
"Os Demônios" talvez seja o romance mais político de Dostoiévski. A obra foi inspirada em um fato ocorrido na Rússia do século XIX, mais precisamente no ano de 1869: o assassinato do estudante I. I. Ivanov pelas mãos do grupo niilista liderado por S. G. Nietcháiev. Esse acontecimento chocou e gerou reflexões tão profundas no autor que, mesmo estando envolvido na construção de outras obras, se sentiu obrigado a fazer uma pausa para escrever sobre o episódio.

Apesar de ser inspirado em um acontecimento real, Dostoiévski cria seus próprios personagens para representar as pessoas reais envolvidas e assim compor sua ficção baseada em fatos. Muito criticado na época de sua publicação, "Os Demônios" se tornou muito mais do que um registro político, mas também histórico, social, filosófico e religioso. Além de retratar muito bem o que era a Rússia na época em que foi escrito (temos aqui um amplo mergulho do cenário psicológico do povo russo) o livro também foi profético ao explicar os princípios do "Chigaliovismo", um vislumbre do que viriam a ser as ideias adotadas por Stálin e Hitler. Ainda na atualidade, "Os Demônios" serve como um alerta do que pode acontecer quando política e ignorância se fundem resultando no fanatismo e quando mentes pequenas tentam alcançar o poder pelo poder a qualquer custo.

Como é típico de Dostoiévski, o livro é denso e com uma grande gama de personagens. Foi uma leitura lenta porém não desprovida de prazer e de reflexões. O romance é um pouco truncado mas ao concluí-lo e perceber que aqui o principal personagem é o cenário político temos uma compreensão mais ampla da genialidade que o autor teve para construir essa obra atemporal. Com certeza fecho esse livro com a mente mais enriquecida e ciente de que os demônios da Rússia do século XIX infelizmente ainda assombram a nossa sociedade nos dias de hoje.

site: https://discolivro.blogspot.com/
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Alisson 06/11/2019minha estante
Muito boa a resenha! Deu até uma vontade maior de ler em seguida...




Roberto 14/09/2019

Os Possessos
Li uma edição portuguesa dessa obra do grande Dostoiévski em ebook. Achei a tradução fraca, um pouco confusa e a edição mal cuidada.
No entanto, trata-se de um Dostoiévski na mais pura acepção que tal nome empresta a uma obra literária.
A maneira como ele mergulha na alma humana e na sociedade de seu tempo me impressiona profundamente.
Preciso reler um edição decente dessa obra.
Vou fazê-lo porque ela merece e eu mereço "me estatelar no chão" (como a skoober Lisa) novamente com essa história.
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Luísa Coquemala 24/04/2019

Gente, que livro! Depois dessa leitura, Dostoiévski é oficialmente meu romancista preferido. A comparação sempre me parece inevitável, então lá vai: de Tolstói, considero Ana Karênina e A morte de Ivan Ilítch duas obras primas. Gosto muito de Guerra e Paz e Ressurreição, mas já os enxergo como se estivessem um degrauzinho abaixo em relação ao meu gosto. Isso, na verdade, me parece um movimento natural. Não dá pra amar todos romances que se lê de um só autor. Da mesma forma, gosto de Doutor Fausto e de A montanha mágica mais que de Os Buddenbrook.
Só que com os romances de Dostoiévski eu não consigo. Entre Crime e Castigo, Os irmãos Karamázov, O idiota e Os demônios, eu não consigo imaginar uma escadinha na minha mente. Todos são excelentes e todos têm seus pontos altos. Não consigo pensar em outro escritor que tenha escrito tantos romances tão bons. Talvez Proust em Em busca do tempo perdido, se a gente considerar cada um dos sete volumes como um romance à parte. Inclusive, se alguém quiser me sugerir um nome, estou aceitando.
Quando peguei Os Demônios pra ler, pensei: “esse aqui não pode ser tão bom como os outros”. E aí, mais uma vez, uma cacetada na minha cara. Mais um livro que, depois do fim, eu fico estatelada no chão pensando em quando vou encontrar outro livro tão bom.
Li muitas resenhas na internet falando sobre a primeira parte do livro ser arrastada, mas não concordo. Dostoiévski usa ironia, até uma certa dose de humor e, como de costume, ótimos diálogos. Como resultado, a primeira parte prepara uma situação que se desenrolará nas outras duas partes.
O que se passa é o seguinte: Varvara Pietrovna e Stiepan Trofímovitch são amigos/affairs de longa data. A relação é claramente desigual porque a generala Varvara sobe em cima de Stiepan e faz o que quer com ele. Ambos vivem em uma cidadezinha pacata da Rússia do século XIX e têm dos filhos que moravam longe, mas que estão a caminho da cidade.
Um deles é o belo e enigmático Nikolai Stravogin, que quatro anos antes, em uma passagem rápida pela cidade, causou furor – com direito a mordidas em orelhas e ofensas à sociedade. Nikolai tem uma espécie de força atrativa em sua figura e, por conta disso, os outros personagens principais da obra giram em torno dele. Depois que causou na Rússia, foi passear um tempo no exterior e, na Suíça, reencontrou uma família amiga (e, mais importante para Varvara, rica!). Bom, o jovem Stavrogin se engraça com Lizavieta e a jovem fica caidinha por ele. Ao mesmo tempo, porém, rolam boatos de que na mesma viagem Nikolai também teria se envolvido com Dária Pavlovna, filha de um falecido criado de Varvara e protegida desta. Tudo chega ao ouvido da generala enquanto todas essas figuras estão de volta ou voltando para a pacata cidadezinha. Só que tem ainda mais: além de todo burburinho relacionado com as duas moças, há ainda uma outra fofoca envolvendo a figura de Nikolai. Há quem diga que Nikolai teria se casado clandestinamente com Mária Lebiádkina, uma coxa pobre da cidade e cujo irmão é um bêbado perdido que bate nela.
Também estão na cidade Chátov e Kiríllov. Ambos são figuras bem mais sombrias (e, a meu ver, os dois melhores personagens do romance). Chátov e Kiríllov passaram uma temporada morando nos EUA e vivendo com os proletários. O que aconteceu nessa experiência é que ambas as teorias dos dois se aprofundaram. Chátov, que é irmão de Dária, voltou com ideias completamente diferentes, eslavófilo e acreditando em Deus (ou pelo menos tentando acreditar); Kiríllov volta com ideais fortemente niilistas e tem a intenção de se matar como forma de reafirmar seu arbítrio e a inexistência de deus (se deus não existe, ele diz, então eu sou meu próprio deus e morrer e viver deveriam ser coisas indiferentes).
Por fim, aparece Piotr Verkhovienski, filho de Stiepan Trofímovitch. Piotr é um jovem com ideias à esquerda e revolucionárias. Piotr tem ideias muito firmes e se inspira em outra figura do romance, Chigálliov. Para ambos, a sociedade deveria ser dividida em duas partes: 1/10 detém todo o poder e manda no resto da população – que, para manter a “causa”, precisa se autovigiar e delatar. Não há espaço para talentos, não há espaço para debate de ideias. Como Piotr diz, ele não é bem um político, mas um patife. Bom, Piotr está voltando para a cidade com um objetivo: ele quer espalhar panfletos revolucionários e instalar o caos para que as estruturas sociais se enfraqueçam e outro regime política possa vir a tomar o poder. Chátov, Kiríllov, Piotr e Nikolai – cada um sendo quase como que a encarnação de uma ideia – já foram parte de um mesmo grupo e tudo que Piotr planeja envolve essas figuras.
Todos esses personagens sobre os quais falei são apenas os mais centrais. De onde vieram esses, há muito mais! Agora vocês peguem todas essas pessoas, coloquem elas na mesma cidadezinha e acrescentem uma dose da maravilhosa escrita de Dostoiévski. Está feita a obra prima e está armado o barraco (aquele barraquinho bem escrito que Dostoiévski faz como ninguém). As ideias políticas e filosóficas e as questões sociais da Rússia da segunda metade do século XIX estão aqui, neste romance. Dostoiévski captou tão bem o que estava se passando à época que, acredito eu, a semelhança que muita gente vê entre Piotr e Stálin não é nada mais do que resultado de uma sensibilidade ímpar em perceber como uma ideia degringola em pesadelo e autoritarismo quando regida por uma pessoa como Piotr.
Isso tudo só pra situar vocês!
Enfim, leiam. Vamos nos estatelar no chão juntos e agradecer aos céus por terem nos dados os romances de Dostoiévski.
João 24/04/2019minha estante
Bela resenha Luísa! Despertou uma vontade de conhecer imediatamente a obra.


Jean446 25/04/2019minha estante
Só li metade da resenha por medo de spot ler, mas interessante demais. Só não concordo com o degrauzinho abaixo das obras citadas.


Roberto 14/09/2019minha estante
Cometi o deslize de ler uma edição portuguesa em ebook: Os Possessos.
Achei a tradução fraca e a edição descuidada.
Não obstante, Dostoiévski é o cara e, apesar da qualidade inferior da edição (não da obra) também me vi "estatelado no chão" várias vezes.
Vou reler uma edição física mais bem cuidada da obra e de hoje em diante não perderei mais tempo em fazer experimentos com os grandes.




Irene 30/01/2019

Uma brilhante aproximação das ideologias políticas surgidas no Séc. XIX
Dostoiévski sempre teve uma capacidade incrível de trabalhar com os fatos históricos para montar uma narrativa profunda e densa. Em ?Os demônios?, longe de ter um juízo pré-concebido sobre um determino grupo que emergia na Rússia da segunda metade do século XIX, o autor busca compreender a complexidade psicológica das personagens em sua articulação com os eventos políticos de então. Ler esta obra como uma denúncia das ideologias autoritárias que surgiriam décadas depois é superficial. Dostoiévski não estava interessado em dar sua opinião, mas sim desenvolver uma rede de relações de personagens que pudessem retratar de forma mais dialética as ideias que estavam se formando então, com suas contradições e incertezas, mas nem por isso inválidas em sua visão. ?Os Demônios? é muito mais do que um julgamento, é uma massiva obra de análise histórica, com todas suas nuances e caminhos oblíquos que o escritor russo sempre gostou de percorrer.
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Lismar 27/02/2018

Um livo de demonologia psicológico
Provavelmente o livro mais difícil que já li.
Não vou negar, encarar Os Demônios não foi fácil, pois possui muita informação, personagens, eventos, diálogos longuíssimos e complexos, apresentando filosofias e ideologias aos borbotões que suga bastante a energia do leitor.
É um livro em que Dostoievski não possui pressa alguma em desenvolver seu calhamaço, uma decisão que pode fazer que alguns leitores a achem bastante cansativo, pois são as passagens em que os personagens são apresentados, e ficamos sabendo de seus históricos, relacionamentos e modo de vida, ou seja, são passagens em que o autor põe as peças nos tabuleiro.
Mas são nesses momentos em que um gênio se sobressai, onde um autor limitado fracassa.
Ao longo desse desenvolvimento o russo fica inserindo elementos que vão aguçando o interesse do leitor, como a expectativa pela chegada de certos personagens.
Após essa fase o livro pega fogo, sempre tendo em vista o ritmo do autor: diálogos afiadíssimos e filosofias impactantes.
Contudo, como já disse anteriormente, não foi parada fácil. caso decida enfrentá-lo vá bastante descansado, relaxado e tranquilo. A sensação pós leitura é de que foste atropelado por um rolo compressor.
E sem falar nos debates contidos no produto. Dosto decide abordar temas espinhentos demais, como uma discussão entre dois niilistas sobre o suicidio. Cacete, pesado demais. Se fores sugestível ao tema, não aconselho a leitura, pois aqui o escritor atinge um local bastante perigoso: o psicológico. A maestria dele é tão impressionante que é capaz de tu leres isso, e pensar "ei, isso faz sentido". Completamente aterrador.
Apesar de ser a única obra de Dostoiévski com fins panfletários foi a que eu mais adorei. Sim, inclusive achei melhor que Crime e Castigo. Apesar deste ter me impactado bastante, mas não como em Os Demônios.
Mas voltando ao título em si, este é uma crítica ao Niilismo. Principal ideologia dos personagens integrantes de uma célula socialista que visam abalar os alicerces da Rússia através de ações terroristas e subversivas; e como ponto de partida decidem fazer uma experiência na cidade presente no livro. Nisso, seus integrantes recorrem a assassinatos, incêndios, divulgação de panfletos revolucionários e à corrupção e deterioração do modo de vida russa: a religião, família e cultura.
A edição da editora 34 é belíssima, em brochura, mas um pouco pesado, além de apresentar umas gravuras perturbadoras em seu interior. A tradução é muito boa, fazendo que a leitura flua bem, além de muitas notas de rodapé, com explicações e referências que Dostoievski baseou-se para criar seus folhetins.
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Bruna 19/10/2017

Uma obra magnífica, após ler vários livros de Dostoiévski faltava esse romance psicológico escrito em 1872,que motivou o autor a escrever baseado em um fato verídico ocorrido na Rússia, ao qual um estudante metido em causas socialistas radicais,foi assassinado por discordar das ideias do grupo que ele integrava.

Stiepan Trofímovitch um intelectual respeitável,ex professor que nutria uma estranha amizade com uma viúva rica e influente na sociedade local, Varvara Peitrovna,essa não só o admirava por sua inteligência,mas também o sustentava,entre eles existia uma amizade longeva.
Nikolai Vsievolódovitch filho de Varvara, e Piotr Vierkhoviénski filho de Steipan Trofímovitch que estudavam fora,voltam a cidade,eles faziam parte de um grupo revolucionário niilista, e tinham um plano arquitetado,uma revolução social e política.Porém, tinham medo que um dos integrantes do grupo os denunciassem, e então tiveram a pérfida e cruel ideia de matá-lo,e assim fizeram.
A partir desse ponto todo o grupo se desestrutura, e vamos desvendando os personagens, sentindo a consciência cobrar cada um dos membros,seu medos e demônios sobem à tona.
No apêndice do livro,que só foi publicado após a morte do autor,por ser considerado muito realista pela editora ,fazendo que Dostoiévski na época reescrevesse o texto várias vezes, no intuito agradar a editora,mas não conseguiu que fosse aceito.
No apêndice vemos Nikolai Vsievolódovitch bastante perturbado, pela consciência, ele procura o bispo que vivia em um mosteiro e faz um catarse, confessando todos seus crimes inconfessáveis.
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Andrade 10/07/2017

NIILISMO,CAOS E SOCIALISMO..
“Os Demônios é um livro escrito por Dostoiévski em 1872. A obra foi motivada por um episódio verídico: o assassinato do estudante I. I Ivanov pelo grupo niilista liderado por S. G Nietcháiev em 1869.”
O enredo se passa em Petersburgo, no século XIX, onde o Niilismo era muito presente. Então o que é o niilismo? O niilismo é uma filosofia que acredita que a vida não tenha significado. Não é um livro que agrade a todos, pois no mundo de Dostoiésvki nos deparamos com o caos, onde muitos leitores não estão acostumados. Dostô também fala muito sobre o socialismo, então o que o socialismo trouxe? Destruiu as velhas forças e não introduziu novas.

Citações:
Para mim a felicidade não é vantajosa, porque logo me meto a perdoar todos os meus inimigos. (Página 622).
O homem é infeliz porque não sabe que é feliz. (Página 238).
Haverá toda a liberdade quando for indiferente viver ou não viver. (Página 120).
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Volnei 07/07/2017

Os demônio
Esta é uma obra difícil de ser compreendida pois o autor não segue uma linha lógica de raciocínio, muito comum em outros romances. Não consegui chegar ao fim do texto pois ao chegar na metade do livro ainda não tinha me ambientado na história
Wayner.Lima 05/08/2020minha estante
Se não concluiu a leitura não devia classificar o livro.




Tiago 25/03/2017

A SINFONIA DO TORMENTO
No século XIX centenas de grupos revolucionários radicais – niilistas, socialistas e anarquistas – agitaram o cenário político da Rússia imperial. Em 21 de novembro de 1869 o estudante S.G. Nietchaiev, na companhia de mais quatro membros da organização “Justiça sumaria do povo” (Naródnaia Raspava) assassinaram o estudante I. I. Ivanov. O crime teve repercussão em todo o país. Preocupado com os rumos destrutivos dos movimentos da esquerda radical, Dostoievski escreve o magistral romance “Os Demonios”, cujo objetivo é expor a face dos verdadeiros demônios da sociedade de sua época: o fanatismo, a busca por dominação absoluta, a subordinação total do individuo a lógica e ao rigor cientifico e o estoicismo político diante de um propósito comum. O próprio ateísmo é duramente atacado pelo autor que defende a importância da fé religiosa na constituição de uma esfera moral. Embora se trate de um conceito primitivo e contestado por filósofos contemporâneos, como o francês Jean Paul Sartre, essa noção de que a fé purifica o homem ganhou ressonância nas palavras de um grande escritor. Não se trata apenas de uma reprodução literária de um fato real ou de uma simples propaganda antirradical e anti-ateísta. Dostoievski vai muito além desse conceito inicial criando uma obra que explora os perigos da sociedade russa de sua época.
Stiepan Trofimovitch é um professor acadêmico que havia construído uma carreira promissora no exterior. Apesar desse seu aparente sucesso profissional seus dois casamentos haviam sido um fracasso. Devido a “um turbilhão de circunstancias” - que o narrador não acha apropriado esclarecer - Stiepan é afastado de seu cargo na universidade e parte para a propriedade Skvoriechniki, uma magnífica fazenda da família Stavroguin. A proprietária era uma rica viúva chamada Varvara Pietrovna Stavroguina, amiga de longa data de Stiepan, descrita como ossuda, de rosto longo e “rancorosa ao ponto do improvável”. Ambos possuíam uma estranha relação de amizade. No passado Stiepan havia recusado duas propostas da rica e solitária viúva para que se encarregar-se da educação particular de seu único filho. Após a morte de sua segunda esposa Stiepan, sem emprego e sem saída, resolve aceitar o convite.
Assim que chega a Skvoriechniki, Stiepan se encontra diante de uma segunda proposta, dessa vez de casamento. A ideia teria partido da própria Varvara que queria unir Stiepan a uma mulher chamada Daria Pavlovna. Varvara escondia suas reais intenções por trás dessa união arranjada: circulavam rumores de que seu filho já havia tido um relacionamento com Daria no passado e diante da expectativa do seu retorno, Varvara pretendia retirar Daria do caminho de seu único herdeiro. Stiepan, que parecia nutrir um amor platônico por Varvara sofre com a ideia do casamento, mas não encontra meios de recusar a união. Esse dilema familiar que inicia a obra “Os Demônios” se arrasta até o primeiro marco importante da obra: a recepção oficial do noivado de Daria e Stiepan. Aqui os dois principais personagens aparecem: Piotr Stiepánovitch e Nicolai Stavróguin, filhos de Stiepan e Varvara respectivamente.
Nicolai, um jovem de 25 anos, bastante conhecido por sua libertinagem havia levantado suspeitas depois que um envelope com dinheiro enviado em seu nome a Maria Timofêievna, uma mulher extremamente magra, de pescoço longo, coxa e aparentemente louca, havia sido interceptado pela própria Varvara. Os boatos de que Nicolai teria se casado em segredo com Maria preocupavam sua mãe que traçava planos diferentes para seu filho. Esse típico drama familiar da sociedade europeia do século XIX é apenas um preâmbulo do magistral romance de Fiodor Dostoievski.
Dividido em 23 capítulos e três partes a obra possui um imenso quadro de personagens, todos eles descritos em sua forma física, moral e social, tendo, portanto uma densidade absurda e fascinante. Essa construção em três dimensões expõe uma valorização estética, que na realidade está subjugada ao conteúdo moralizante da obra. Trata-se, sobretudo, de um romance da moral, aqui analisada em termos políticos é praticamente condicionada aos valores religiosos do individuo como ser social.
O que começa como uma espécie de crônica do mundo burguês, cômica e com certa dose de sarcasmo, sofre uma reviravolta espetacular a partir da terceira parte, marco clássico da obra, onde cada personagem se desdobra e revela sua verdadeira identidade moral. O autor se vale de sua genialidade criativa e nos expõe a verdade por trás da face social de cada personagem, alimentando o típico comportamento humano de consolidar a impressão inicial como uma verdade absoluta. É ali que os verdadeiros focos da narrativa emergem em sua plenitude: o niilismo - movimento caracterizado pela descrença absoluta -, e o radicalismo revolucionário.

Stepanovitch e Stavróguin fazem parte de um grupo niilista de proporções internacionais que os encarrega de iniciar uma revolução na cidade onde vivem. Juntos eles formam um grupo radical de indivíduos desprovidos de qualquer traço moralizante, movidos unicamente por um propósito comum. Chigalov, o ideólogo do grupo, teoriza um método de governo extremamente autoritário onde nove décimos da sociedade seria submetida ao controle rigoroso do décimo restante, composta pela elite intelectual.
“No esquema dele [Chigailov] cada membro da sociedade vigia o outro e é obrigado a delatar. Cada um pertence a todos, e todos a cada um. Todos são escravos e iguais na escravidão, nos casos extremos recorre-se à calúnia e ao assassinato, mas o principal é a igualdade. A primeira coisa que fazem é rebaixar o nível da educação, das ciências e dos talentos. O nível elevado das ciências e das aptidões só é acessível aos talentos superiores, e os talentos superiores são dispensáveis! Os talentos superiores sempre tomaram o poder e foram déspotas, sempre trouxeram mais depravação do que utilidade; eles serão expulsos ou executados. A um Cícero corta-se a língua, a um Copérnico furam-se os olhos, um Shakespeare mata-se a pedradas – eis o Chigaliovismo.”
Kirilov, tomado pelo “demônio de voluntarismo”, defende a teoria segundo a qual o homem que comete suicídio se torna Deus:
“Se Deus existe, toda vontade lhe pertence, e fora dessa vontade nada posso. Se ele não existe, toda vontade me pertence, e devo proclamar minha própria vontade. (...) Tenho que meter uma bala na cabeça porque o suicídio e a manifestação suprema da vontade.(...) Deus é a dor do medo da morte. Quem vence a dor e o medo se tornará Deus.”
Chátov acredita na existência de um “Deus nacional”, sendo este representado pela supremacia de um grande povo sobre os povos restantes. Além destes estão Virguinski, Liputin, Tolkatchenko, Erkel, e os dois protagonistas: o libertino Stavróguin e o insuperável Stepanovitch, a mente mais perversa da obra e um dos personagens mais diabólicos da literatura universal. Todos eles se admiram e se odeiam com igual intensidade dentro de um circulo restrito onde a idéia de revolução se deforma diante de uma lógica tão absurda que se torna destrutiva. Para cada um deles a violência é o aparo lógico de um dogmatismo que, apesar de embrionário, já manifesta sua natureza refrataria e intolerante. O ceticismo radical que os domina só realça o típico ser dostoievskano, em movimento constante entre a certeza e a incerteza.
Da terceira parte em diante o romance mergulha num turbilhão de conspirações, assassinatos, traições, suicídios até atingir o ápice da narrativa: o incêndio que toma conta da cidade e cujo objetivo era desviar a atenção da população para longe do assassinato brutal que acontecia dentro de uma das residências de um quarteirão afastado. Vemos uma sequência de atos deploráveis e indescritíveis, como o abuso de uma menina de apenas doze anos por um dos integrantes do grupo e cujo tormento moral o leva ao suicídio. O caos, a destruição, a descrença e o estoicismo fanático dão um ritmo alucinante à narrativa cujo desfecho não poderia ser menos trágico.
Ler “Os Demônios” e adentrar numa narrativa pesada, intrigante e apaixonante do inicio ao fim. Ao perceber que as ações humanas não possuem a moral como regra única, Dostoievski soube explorar esse aspecto negro e moldá-lo como recurso de criação artística antecipando a tragédia que se abateria sobre o século XX, imposta pelos exemplos de fanatismo político e ideológico como o Nazismo e o Stalinismo. Através da exposição dos males da modernidade ele extrapolou os limites de criação literária e compôs o que a historiadora Anna Carolina Huguenin chamou de “sinfonia de vozes atormentadas”.

AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

site: http://cafe-musain.blogspot.com.br/2014/05/a-sinfonia-do-tormento-os-demonios-de.html
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Gustavo.Hjort 07/02/2017

O livro é bom, apenas acho um pouco maçante a forma como ele descreve os cenários e o passado dos personagens. Porém, os diálogos são os melhores que eu já li. Principalmente os diálogos entre Kiríllov e Piotr Stiepánovitch.
Tiago 06/05/2017minha estante
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Franc.Assis 04/01/2017

Impressionante Atualidade
Uma mediana província russa é o palco onde diferentes conceitos de mudanças filosóficas e sociais entram em choque, podemos identificar diversas correntes de pensamento: socialistas, niilistas, socialistas utópicos, fourieristas, anarquistas, cada um julgando ter o sistema melhor para a humanidade. O romance entre Stavróguim e a bela Lisa permeia toda a história, contada de uma forma inovadora e peculiar. Encontra-se nessa obra do genial autor russo elementos profetizadores do que o mundo se tornaria.
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Gustavo Kaspary 31/07/2016

De Kiríllov
Os ''doentes sagrados'' de Dostoiévski são, grande parte, intelectuais atormentados. Se Raskolnikóv sofre por uma ideia, Ivan pela moral e o Homem Subterrâneo pela a incapacidade de lidar frente à realidade, o arbítrio e, por que não, a existência inteira perseguem Kiríllov, um dos personagens mais intrigantes de Dostoiévski.
Ama a vida, mas quer se suicidar; cita a bíblia, mas carrega em seu cerne um ateísmo fanático; e, mais fantástico do que tudo, acredita ser indiferente a todos, mas suas convicções tremem nos momentos decisivos.
Para ilustrar esse ser extraordinário, deixo um diálogo que teve junto a Nikolai Stavogruin, personagem tão complexo quanto, na qual Kiríllov premedita o Homem-Deus, livre de qualquer superstição.

''- Aquele que ensinar que todos são bons concluirá o mundo!
- Aquele que ensinou foi crucificado.
- Ele há de vir, e seu nome é Homem-Deus.
- Deus-Homem?
- Homem-Deus, nisso está a diferença.''

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