Henrique Fendrich 10/12/2013
Amor é prosa, Jabor é Nelson
“Amor é prosa, sexo é poesia” é provavelmente a coletânea de crônicas mais bem sucedida de Arnaldo Jabor. Em grande parte por conta do título mesmo, que ainda é acrescido da explicação “crônicas afetivas”. Embora o leitor em geral conheça o Jabor, ainda assim é de se acreditar que muita gente leia o livro esperando encontrar o Carpinejar. Com a leitura, no entanto, logo se percebe que por “crônicas” devemos entender “artigos” e que por “afetivas” devemos entender “menos políticos”.
O próprio Jabor, sempre que se referia a um de seus textos, chamava-o de artigo, um gênero jornalístico que de vez em quando se assemelha bastante a uma crônica, mas que no geral possui estratégias e propostas bem diversas. O artigo, por exemplo, não admite o erro do escritor. Isto é, ele deve falar a sério e usar toda a sua argumentação lógica para convencer o leitor do seu ponto de vista. Não se espera o descompromisso da crônica, ainda que com frequência ela seja simulada. Apenas eventualmente se adota um tratamento literário e a ficção é usada com cautela.
Para convencer o leitor ou mesmo chamar a sua atenção, Jabor não hesita em usar palavras fortes, às vezes grosseiras e desnecessárias mesmo. O cronista tem o domínio sobre tudo o que se passa ao seu redor e quer transmitir, nem que seja à força, o seu conhecimento ao leitor. Nascem aí frases de impacto que nitidamente se mostram um simulacro das crônicas de Nelson Rodrigues. Isso é visível já a partir de alguns títulos: “O chato é antes de tudo um forte”, “O mundo de hoje é travesti”, “Os homens desejam as mulheres que não existem”, entre outros.
É tão visível essa influência que é possível dizer que as crônicas de Arnaldo Jabor são como seriam as do Nelson Rodrigues caso lhe tirassem o humor, a fluência e a criatividade e lhe multiplicassem a empáfia e a grosseria. Jabor chega ao ponto de repetir uma citação que Nelson costumava fazer sobre um personagem de Eça de Queiroz – ainda que o personagem esteja disponível para todos que o leiam, é de se imaginar que Jabor conhecia as citações de Nelson.
Justamente na última crônica do livro, Jabor reconhece sua admiração por Nelson e simula uma ligação telefônica para ele, que está no céu. É um dos raros momentos de ficção da obra, e certamente seria bom se passássemos sem ele. O Nelson que respondia aos seus questionamentos tem tão pouco de Nelson Rodrigues que talvez esta seja uma ficção maior ainda do que a de uma ligação para o céu.
Em relação à temática, Jabor se volta com frequência a episódios do passado, especialmente para comparar com os descaminhos do mundo atual. Critica o progresso vertiginoso, o crescimento desconstrutivo e bruto, que nos rouba a arte e o amor em favor da produção a qualquer custo. A liberdade que nos faz buscar a bunda perfeita, recordes sexuais, próteses de silicone, sucesso sem trabalho, fama sem mérito. Em tudo, Jabor tenta conceituar e explicar – em tudo, Jabor tenta dar o ar de verdade eterna, mas sem o gracejo típico do Nelson. Vez ou outra, Jabor lança mão de citações, nem sempre oportunas, dando a impressão de terem sido bem calculadas. E também há muita política nessas crônicas afetivas – vivia-se o tempo de Bush, pós 11 de setembro.
Não é o tipo de livro que você se sente melhor após a leitura. Quem quiser ler crônicas de amor e sexo, procure mesmo os livros do Carpinejar. E quem quiser ler crônicas políticas em que é possível até mesmo discordar do autor e ainda assim sentir verdadeiro prazer na leitura, procure as crônicas do Nelson Rodrigues original.