Amós 15/08/2022Resenha da obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” do Friedrich Engels; Leitura finalizada em Oito de Agosto de 2022 A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado do alemão Friedrich Engels é uma obra clássica dentro da tradição marxista de pensamento e é leitura indispensável para qualquer debate que relacionado com o Estado; a condição feminina na sociedade; da prioridade da proteção à propriedade privada frente à proteção da vida nas ações do Estado e sobre a própria função deste na sociedade. O autor, mais conhecido por suas colaborações junto a Marx, faz um profundo estudo, a partir do método materialista histórico-dialético, sobre o desenvolvimento da civilização e para isso se apoia nos maiores antropólogos de seu tempo sem, entretanto, lhes poupar de duras críticas.
O livro publicado em 1884 se organiza de forma linear, primeiro elucidando ao leitor certos conceitos que são utilizados no decorrer da obra, como as idéias de estado selvagem, barbárie e civilização; também sobre as formas de casamento dentro das sociedades pré-históricas; de como o matrimónio evoluiu com o tempo e de pontos chave do desenvolvimento das capacidades produtivas. A obra está muito à frente de seu tempo por abordar, já nos capítulos iniciais, o histórico da condição feminina dentro da sociedade humana, passando pelo matriarcado ao patriarcado e de como isso tem profunda relação com o desenvolvimento da propriedade privada versus a propriedade coletiva típica das origens da humanidade. Tudo isso devido a primeira forma de divisão social do trabalho - a de gênero - e o constante crescimento da capacidade produtiva do homem frente a natureza, que passou de um momento de pura luta por sobrevivência para outro superior onde a produção cresce e passa a gerar excedentes.
Junto às reflexões em torno dos tipos de matrimónio e da família, Engels explica de que forma se deu o surgimento das sociedades tribais e de seu espalhamento pelo mundo. Gens, fratrias e tribos duraram milhares de anos se organizando a partir do direito gentílico (forma de Justiça baseada em laços familiares e consanguíneos). Passando por tribos indígenas norte-americanas, germanos, romanos e gregos, o autor demonstra como essa forma organizativa, em toda a sua diversidade, dava conta de resolver as demandas sociais desses povos.
Porém, conforme a capacidade de produzir excedentes aumenta, também cresce a complexidade dessas sociedades. Isso pedia por um tipo de direito particular e que desse conta de resolver as demandas do comércio e da guerra, que nesse momento se tornavam prática de mais importância. Através dos séculos, se vê o direito gentílico sendo posto de lado para dar luz a essa nova forma social, que dava conta de orientar sociedades, que já não mais se organizavam por laços consanguíneos, mas sim que tinham desenvolvido diferentes formas de divisão social do trabalho (aristocracia, serviços da fé, exército, artesãos e camponeses) e que eram grandes demais para que a tríade gens-fratria-tribo dar suficiente coesão.
A divisão social do trabalho deu luz uma espécie de desigualdade social que não era conhecida anteriormente, em que membros de uma mesma família (seja em sentido estrito ou sentido amplo) já não se reconhecem mais como iguais, momento em que o acúmulo de riquezas adquiridas através dos espólios de guerra e do comércio fazem a aristocracia formar um novo tipo social que lhes privilegia. E essa nova forma social é o Estado, que já não se importa com laços familiares de lealdade, mas se apega a critérios territoriais e jurídicos para se organizar. O Estado surge da evolução das formas tribais de organização social, mas que foi cooptada pelas elites que acumularam riqueza gerada pelo excedente produzido e sob posse disso, passaram a exercer grande influência e controle sob a sociedade.
Por fim, afirmo que a obra é inescapável para qualquer socialista, seja de tendência marxista ou libertária, por ir buscar respostas para nossas perguntas na gênese da civilização humana. O papel do Estado como ferramenta protetora do status quo e da propriedade se torna claríssimo ao leitor atento e de como a opressão da mulher é um dos pilares para tal. Como leitor, digo que o livro, apesar de bem teórico, não tem leitura tão pesada e conta com notas de rodapé que muito auxiliam na compreensão. Os comentários ácidos de Engels sobre autores do qual ele discorda torna tudo mais divertido. Indico a leitura para qualquer um que se interesse pelo tema e fecho essa resenha com um trecho do livro que achei de uma beleza poética. “Em uma palavra: elabora-se uma hipocrisia convencional, desconhecida pelas primitivas formas de sociedade e pelos primeiros estágios da civilização, que culmina com a declaração de que a classe opressora explora a classe oprimida exclusiva e unicamente para o próprio benefício. E se a classe oprimida não o reconhece, e até se rebela, isso, além do mais, revela sua mais negra ingratidão para com os benfeitores, os exploradores.” (pg 200)
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