Paulo Sousa 10/11/2019
devoção, de patti smith
Título lido: Devoção
Título original: Devotion
Autor: Patti Smith
Tradução: Caetano W. Galindo
Editora: Companhia das Letras
Lançamento: 2017
Esta edição: 2018
Páginas: 144
Classificação: 4/5
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"Por que alguém se sente compelido a escrever? A se isolar, a se envolver num casulo, no êxtase de sua solidão, malgrado as necessidades dos outros...
Precisamos escrever enfrentando miríades de lutas, como quem domestica um potro voluntarioso. Precisamos escrever, mas não sem um esforço consistente e não sem certa dose de sacrifício: para dar voz ao futuro, revisitar a infância e para dar rédea curta às loucuras e aos horrores da imaginação antes de oferecê-la a uma vibrante raça de leitores" (posição no kindle 862-867/82%).
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faz pouco tempo que li "só garotos", o livro em que a cantora patti smith delineia em um texto intenso e autobiográfico seu relacionamento com o artista plástico robert mappletorne, morto a alguns anos. mas foi exatamente em janeiro de 2018 que de fato me apaixonei pelos livros da autora de "horses", quando li o seu maravilhoso "linha m", outro relato intenso e apaixonado pelos cantos solitários e pelos cafés. o livro é tocante, patti nos leva consigo em idas e vindas pelo mundo, onde a acompanhamos em visitas a mausoléus de artistas e escritores, e somos brindados com tantas boas referências literárias. depois que li "linha m", por causa do livro, assisti e me emocionei com "the killing", uma série policial que foge um pouco do usual, na verdade o pano de fundo para o amor entre sara lindem e stephen holder e me propus a ler o "crônica do pássaro do corda", de murakami. ainda não cumpri o último, mas certamente patti smith não iria se debruçar sobre algo que não fosse bom.
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apesar de "só garotos" ser um livro bom, gostei muito mais de "linha m", principalmente porque ele mexe com coisas que são caras para mim. errante em algum lugar, visitar locais e mausoléus de escritores famosos, sentar num café num fim de tarde, caminhar por ruas frias sob um céu cinzento, acolher o silêncio convidativo para escrever alguma coisa, são coisas que gosto e sempre procuro fazer. em recente viagem à argentina, jamais esquecerei a minha visita ao mausoléu de evita perón, no famoso cemitério da recoleta, num dia lúgubre e chuvoso. lembro que, após silenciosas orações e reflexões sob a fina e fria chuva, saí dali literalmente de alma lavada para me aquecer num café ali próximo...
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e então me cai nas mãos o "devoção", um dos dois novos livros de patti smith lançados no brasil. um livro tão ou mais lindo que o "linha m": temática semelhante, uma vez mais patti faz um comovente relato desta vez sobre o ofício de escrever. misturando elementos sinestésicos, lugares e referências aos escritores patrick modiano, albert camus e simone weil, patti nos leva a paris, a cidade que melhor simboliza o ato de se isolar, se permitir olhar para dentro, caminhar pelas ruas clássicas e sob o turbilhão voluntarioso de emoções, escrever. o conto que faz parte do livro, é resultado dessa intempérie pessoal, uma história de amor, devoção, corrupção e entrega. devoção é belo, é trágico, é possível ver que uma ou outra lágrima pintou a brancura do papel onde a autora tentara organizar ideias e emoções. no final, um brinde, acompanhamos patti a uma visita à casa onde viveu o escritor argelino albert camus, onde a neta do grande escritor de "o estrangeiro" mostra a patti o manuscrito do último livro de camus. "as horas que passam nos devoram"...
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várias são as formas de devoção. mas patti smith, com este pequeno e avassalador livro, transcende em multiformas o ato de autodoação. vale muito!