Aione 09/02/2021O Que Alice Esqueceu é o terceiro romance de Liane Moriarty, que primeiramente foi lançado pela editora Leya como As Lembranças de Alice. A Intrínseca, responsável por traduzir outros títulos da autora, trouxe uma nova edição do romance após ter publicado os sucessos O Segredo do Meu Marido e Pequenas Grandes Mentiras, além de Até Que A Culpa Nos Separe. O mais recente trabalho de Moriarty é Nove Desconhecidos.
Após uma queda durante uma aula de step, Alice acorda tendo esquecido de seus dez últimos anos de vida. Ela acredita estar em 1998, grávida e no início de seu casamento, mas se descobre mãe de três crianças e com sua vida, como um todo, muito diferente do que era.
Por esse ser um livro anterior aos grandes sucessos de Liane Moriarty — os responsáveis por terem me apresentado seu trabalho —, senti uma leve diferença em sua escrita. Continuei gostando muito de sua narrativa e das temáticas abordadas, sobre as quais falarei abaixo, mas o desenvolvimento em si do enredo me pareceu um pouco menos maduro. Em seus outros livros, os ganchos e reviravoltas me parecem ter sido trabalhados com mais sutileza, escondidos de uma maneira mais natural, de forma a causarem mais impacto em suas revelações. Ressalto que essa não é uma crítica, mas uma observação, que demonstra especialmente como a autora ficou ainda mais habilidosa em suas publicações posteriores.
O Que Alice Esqueceu trabalha questões comuns à obra de Moriarty, como família e relacionamentos, mas se aprofunda especialmente no aspecto da memória e da identidade. A reflexão durante toda a leitura é sobre como mudamos com o passar do tempo, a partir do que vamos vivenciando, e o quanto nossas lembranças são cruciais nessa construção. A partir do instante em que Alice não se lembra do que viveu, ela não sabe mais quem é naquele ponto de sua vida, e as consequências decorrentes disso são múltiplas.
Atreladas a isso, aparecem temas como maternidade e casamento, além das próprias relações interpessoais como um todo. Liane Moriarty foi sensível em demonstrar não apenas as transformações, mas principalmente as perspectivas múltiplas. A história não trata de quem está certo ou errado, se Alice é uma pessoa melhor ou pior em relação ao passado, mas que há múltiplos fatores influenciando na construção da nossa personalidade e em nossa maneira de lidar com as pessoas e situações ao nosso redor. Cada figura na história tem sua carga de razão, de erro e acerto, e é bonito como a autora demonstra tudo isso. As situações apresentadas são complexas porque envolvem pessoas com sentimentos e bagagens complexas.
Vale dizer que, além da narrativa principal em terceira pessoa, onisciente pela perspectiva de Alice, há também, intercaladas a ela, a narrativa em primeira pessoa de sua irmã, Elizabeth, escrevendo uma espécie de diário por recomendação de seu terapeuta, e as publicações da avó das duas, Frannie, em um blog. Com isso, não apenas temos acesso aos acontecimentos por uma perspectiva que não de Alice como também conhecemos mais do anseio dessas mulheres. Parte da obra, também, trabalha diferentes formas de se levar a vida e diferentes escolhas que fazemos ao longo dela. Também, vale dizer que ao mesmo tempo que o humor ácido de Elizabeth contribui para a atmosfera melancólica do enredo, as passagens de Frannie funcionam como alívio cômico por serem um tanto quanto espirituosas.
No geral, gostei muito de O Que Alice Esqueceu especialmente pelas reflexões construídas. Não foi uma leitura que eu devorei — exceto por O Segredo do Meu Marido, costumo ler Liane Moriarty mais vagarosamente, acredito que por seu estilo de escrita —, mas que foi degustada em seu devido tempo.
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