Leonardo 14/11/2022
Humanismo em meio à barbárie
RAWICK, Myriam. O Diário de Myriam. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2018. 320 p. Philippe Lobjois (org.).
"Meu nome é Myriam, tenho treze anos. Cresci em Jabal Sayid, bairro de Alepo, onde também nasci. Um bairro que não existe mais.
Tenho medo de esquecer essas imagens, essa cidade que desapareceu, esse mundo que afundou no caos." (p. 37-38)
"Alepo, 12 de dezembro de 2013
(...)
À tarde, a gente desenhou um monte de coisas e colou na parede. Eu desenhei nosso prédio vazio, com papai indo buscar água e depois um tanque que atira, com pessoas mortas pelo chão, e uma menininha chorando.
Irmão Georges me perguntou quem era a menininha. Disse que era eu. Depois, acrescentei um sol no canto." (p. 214)
Em 2018, vimos uma reportagem na TV sobre o encontro do jornalista de guerra francês Philippe Lobjois (que divulgou a história da menina síria Myriam Rawick e organizou a publicação do seu diário na França) com crianças de uma escola paulista que haviam lido matéria sobre o lançamento e se mobilizaram para pedir uma edição brasileira.
Perguntei à minha filha se ela queria ler o livro, e ela disse que sim. Pensei que, naquela idade (9 anos na época), pudesse se assustar com as trezentas e poucas páginas, mas são textos curtos, impressos em corpo grande e com linguagem fluente, já podem ser lidos com facilidade por crianças de 9-10 anos. Ela devorou as páginas e gostou muito, em seguida li também.
O diário, comparado ao de Anne Frank, traz anotações feitas por Myriam entre 2011, quando tinha seis anos, e 2017. Mostra o ponto de vista da criança sobre o cotidiano de Alepo antes da guerra civil na Síria e durante o conflito, quando a família tentava sobreviver e se adaptar às condições que se degradavam e seguir com a vida, brincando e indo à escola quando possível. Narra cenas de dor, humanismo, tolerância e solidariedade em meio a tiros, bombas, mísseis e obuses, com a população refugiada em sua própria cidade sitiada, obrigada a trocar de escola e migrar de uma área a outra à medida que seus bairros eram devastados ou invadidos. Famílias comuns vitimadas pelo xadrez geopolítico jogado no Oriente Médio, reféns no fogo cruzado entre o exército do presidente Bashar al-Assad e os grupos armados rebeldes, inclusive o Estado Islâmico.
Vale a leitura para nossos filhos conhecerem uma realidade bem diferente vivida por outras crianças, muito pior que a quase guerra urbana imposta pela violência nas cidades brasileiras.