Maria Eduarda 14/10/2019Sobre a Necessidade de se Falar em Violência Doméstica Como começar a narrar um livro sobre violência doméstica? Luz optou por, sem rodeios, começar da parte ruim: o dia de seu casamento.
"Eu poderia te contar sobre os momentos felizes que tive com esse belo rapaz, porém não quero que você se sinta nas estrelas para depois te fazer sentir como se estivesse andando em um túnel escuro, com cheiro de podridão."
Luz, mesmo sem as estrelas, acabamos no túnel.
A narrativa começa na infância se Enrico, que aos 9 anos sofre na mão de seu pai, presenciando abusos contra sua mãe e recebendo ensinamentos machistas e extremamente violentos. É nesses primeiros capítulos que vem a justificativa pela forma agressiva de Enrico. Aqui não importa se a justificativa é plausível ou aceitável, a questão é que Enrico sempre foi ensinado a não ser "marica" e avisado que a herança da família só será sua se souber “domar” uma mulher.
Nesse ponto a leitura já incomoda a muito. Não há ficção aqui. Essa é a história de milhares de mulheres em todo o mundo.
SPOILERS
As agressões sofridas por Luz começam no dia de seu casamento. No começo ela tenta ser compreensiva e entender o lado do marido, mas isso logo passa e, ainda na lua de mel, tenta fugir. Tantas e tantas tentativas de fuga que, caso você tenha o mínimo de empatia, vai te corroer profundamente, assim como cada tapa e cada agressão física e psicológica.
Luz sofre, Luz adoece, Luz é resgatada.
A história agora vai melhorar, certo?
Não.
Apesar de nunca baixar a guarda para Enrico e saber que não estava errada, Luz não consegue contar a verdade para sua família, que a vê com vergonha e a quer “devolver” ao marido. Cora chega a entrar em contato para que Enrico busque sua filha, afinal, que vergonha seria uma mulher aos 19 anos divorciada após 3 meses de casamento? Mas o pai de Luz percebe a agressividade nos gestos de seu marido e a impede de ir.
Será que agora podemos esperar algo melhor para sua vida? Não. Nunca.
"
O problema não era apenas a dor física, era todo o dano psicológico depois dela. Você volta a ser criança, tem medo do escuro, acredita ter alguém embaixo da sua cama, tem sensação de estar sendo vigiada, jura ouvir sussurros mesmo quando não há ninguém com você."
Luz se casa novamente, mesmo sem amar o marido. Tudo se quebra novamente. É um ciclo vicioso.
A cada vez que Luz floresce a ventania volta.
Esse ciclo chega ao fim quando luz, após colocar o pequeno filho para dormir, toma uma grande dose de remédio para morrer. Enrico, que a princípio estava morto (mas que eu, particularmente, tinha a certeza de que não estava), é quem a encontra. O quão errado é desejar a morte de uma pessoa? Tudo o que Luz precisava era disso. Seu coma, uma curta passagem, deixa o pior dos sentimentos. O medo de que ela acordasse e voltasse a viver com a sua primeira primavera é excruciante.
A sua morte foi um doloroso alívio. Agora ela não sofreria mais.
FIM DOS SPOILERS
Esse livro vai além de qualquer relação de amor que Luz possa estabelecer depois de Enrico. Aqui não existe "ships", aqui não torcemos para que ela encontre alguém bom o suficiente. Tudo o que é ansiado é paz, é o fim da violência, é saber que ninguém precisa de outro para ser completo.
Aqui sentimentos horríveis são despertados, sentimentos até mesmo confusos. Enrico é culpado pelo que fez? Seu pai não seria o grande culpado? Um sociopata é culpado por seus atos, mesmo considerando seu distúrbio? No fim pouco importa. O ódio e a vontade de vê-lo sofrer para pagar o que fez e faz se sobrepõe a tudo.
O pior dessa narrativa não é Enrico. Não é Leôncio, não é Cora, não é Sabrina e tampouco Luz. O pior é saber que esse ciclo se repete fora do papel.
Sem mais, essa foi a pior história que li. Ou seria História?
Obrigada R. Christiny.