Isabella.Wenderros 06/06/2021Um favorito da vida.Em A Casa dos Espíritos, o leitor acompanha a trajetória da família Del Valle Trueba ao longo de três gerações e conhece mulheres incríveis nas personagens Clara, Blanca e Alba.
Apesar de a autora não nomear o país em que a história ocorre ou fazer questão de marcar numa linha temporal os acontecimentos, é fácil perceber que o palco de sua obra é o Chile e que começa no início do século 20, terminando em meados de 1975. Algumas pistas vão sendo entregues – como a moda feminina que marcou a década de 1920, conversas sobre as Grandes Guerras e os acontecimentos políticos que culminaram numa ditadura militar na década de 70 –, permitindo que o mapa e a duração fiquem simples.
Minha experiência de leitura me surpreendeu – sei que é um livro que muitos adoram, mas nunca imaginei que se tornaria um grande favorito. Eu senti durante todo o tempo que estava ouvindo alguém me contar uma história que poderia se passar aqui no Brasil, minha imaginação não encontrou nenhuma dificuldade para criar imagens nítidas das descrições de Isabel e suas personagens me cativaram como se fossem minhas amigas. A escrita é simplesmente maravilhosa e rica em detalhes, irresistível.
A construção de Esteban Trueba, do rapaz pobre e determinado, até o fazendeiro autoritário, machista e abusador, foi me deixando enojada e ainda mais interessada naquilo que estava lendo por dois motivos: apesar de ser ambientado no Chile, aquele homem poderia ser um dos antigos fazendeiros brasileiros que mandavam e desmandavam como se fossem deuses em seus territórios; a segunda razão foi perceber como ele exercia o papel da pessoa que não aceitava as mudanças culturais e sociais, lutando para manter tudo o que pudesse como antes. Além disso, ele não era aquele simples personagem mau: era um homem com vários lados, assim como outros personagens que também eram multifacetados.
As personagens femininas brilham nessa narrativa – desde a ambígua Férula, passando pela apaixonada Blanca, até a teimosa e corajosa Alba –, mas a verdadeira protagonista aqui, para mim, foi Clara. Uma mulher com uma ligação com o mundo espiritual e que sempre estava mais conectada ao além do que ao mundo que a rodeava, mas que foi o grande alicerce dos Trueba. O convívio entre todos eles, aliás, foi um afago no meu coração. Quando percebia, estava sorrindo, com os olhos marejados e desejando poder conhecer aquelas pessoas tão únicas, complexas e cativantes.
Apesar de existir muito sofrimento, principalmente no final, terminei a leitura com o sentimento de esperança. Na visão de Clara e Alba, todos somos parte de um grande quebra-cabeça, onde os lugares já estavam pré-determinadas e cabe á nós apenas fazer o melhor que pudermos e aceitarmos aquilo que fugir de nossas mãos. O ódio apenas causa mais dor e cria uma cadeia de acontecimentos que pode nunca ter fim.
Não importa o quanto eu escreva, sinto que não vou conseguir fazer jus ao quanto amei. Não sei o motivo de ter demorado tanto para conhecer Isabel Allende, mas talvez tenha sido no momento certo; já prevejo muitas releituras ao longo da vida e sei que vou carregar esses personagens comigo por muito tempo.