Mariana 28/06/2020Foi banido pelo Estado Novo, teve exemplares queimados em 1937. Mas, felizmente, as palavras não cedem como o papel ao fogo, e sobreviveram à censura.
Jorge Amado é mestre em descrever o povo brasileiro e suas misérias por linguagem simples e popular.
Em "Capitães de Areia", então, narra as condições de vida de menores infratores, descritos pelos jornais e pelas classes média e alta como "grupo de ladrões e assaltantes que infestam a urbe".
Naturalmente, o autor ultrapassa as manchetes e apresenta, a cada capítulo, os diferentes integrantes desse e as circunstâncias que conduziram-no até ali, como o abandono familiar e a falta de oportunidades.
Assim surge a figura do Professor: referência de sabedoria para os demais, é quem conduz as leituras antes de dormir. Em meio à marginalidade, também descobre o talento para o desenho e a pintura.
O Sem-pernas é mais amargurado, determinado a provocar infelicidade alheia e dificultar as coisas para os "novatos". Esse temperamento, descobre-se, resulta de um trauma vivido entre ele e policiais, ligado à sua deficiência motora. E é a partir de tal personagem que se manifesta mais explicitamente a sede de amor e carinho comum aos garotos, bem como a diferença de sentir-se acolhido, ao invés de reprimido.
As visitas do Padre José Pedro o fazem respeitado por todos, mas inspiram sobretudo Pirulito, que descobre a vocação religiosa nesse cenário. Já Volta Seca encontra inspiração em Lampião, e Pedro Bala, caracterizado pela liderança e militância, na causa que levou seu pai à morte. Enquanto isso, Dora, a única garota admitida entre eles, substitui a figura maternal de que carecem.
A ida do grupo ao carrossel das luzes me chamou atenção por representar tanta diversão. Nele, os ladrões que apavoram Salvador revelam-se nada mais que crianças, encontrando tanta alegria em brincar.
Portanto, "Capitães da Areia" configura uma obra muito rica e real, que desmistifica o estereótipo do marginal, critica a cultura punitivista e o descaso social com os jovens, e nos tira da zona de conforto.
É fácil entender o motivo que a tornou desagradável à ditadura, pois a faz também essencial em tempos de "bandido bom é bandido morto".
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