spoiler visualizarAugusto 26/04/2024
O evangelho ateu de Dostoievski
O livro é breve, narrado em primeira pessoa e seu protagonista, um niilista autoproclamado "um homem ridículo", descreve as agruras de viver uma vida totalmente desprovida de sentido.
É evidente que o Homem Ridículo é também um solitário já que, ao que parece, é o único de seus pares a enxergar com clareza a verdade sobre a existência.
Decidido a dar cabo de sua vida miserável com um tiro na cabeça assim que chegar em casa, o "herói" é abordado antes disso por uma garotinha em situação de rua desesperada por socorro.
Como todo bom niilista, superior aos demais seres humanos, ele a ignora e a trata com aspereza.
Enfim em casa, adormece com a arma à sua frente e, em sonho (?), é levado a um mundo totalmente diferente do nosso, ainda intocado pelo Mal e pelo pecado original.
Não entrarei em maiores detalhes sobre o que ele encontra lá e o que acontece com esse Paraíso após a sua chegada, mas basta dizer que o protagonista desperta profundamente tocado pela experiência e assim, abraça a tarefa sacrossanta de ser o porta-voz de um nova mensagem.
Há inclusive uma referência direta ao texto bíblico de Marcos 12 : 31 "Amarás o teu próximo como a ti mesmo." omitindo (provavelmente de maneira deliberada) o versículo anterior "amarás pois o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força."
Os dois versículos são parte da resposta do Senhor Jesus a um escriba que havia indagado ao Mestre qual seria o mandamento mais importante de todos. São, portanto, indissociáveis, porém, ao optar por citar apenas a segunda parte excluindo a primeira, Dostoiévski formula um evangelho sem Cristo.