Nu e As 1001 Nuccias 23/08/2019Resenha Blog As 1001 NucciasA história impactante desse livro começa na década de 30, em uma aldeia bem ao norte da União Soviética. A fome e o frio imperam. Muitas das aldeias se tornaram lembranças na história do país, as pessoas morrendo de fome, trancadas em casa. E nesse contexto que conhecemos dois irmãos com cerca de 10 anos e 8 anos, respectivamente, tentando caçar um gato, o último vivo da região, para não morrerem de fome como o resto da aldeia. Uma caçada que termina mal, com o mais velho sendo capturado por um andarilho faminto.
"A voz de Pavel sumiu quando o homem apareceu em meio às árvores, levantando o galho. Só então, ao ver o rosto magro do homem e o olhar agressivo, Pavel percebeu que o homem não queria o gato. Queria ele."
Então, o livro dá um salto de 20 anos. Saímos da aldeia de Chevoy e vamos para Moscou, conhecer Liev, um importante e fiel agente da polícia soviética, que caça traidores da Revolução. A forma como conhecemos Liev é impactante. Convocado pelo seu superior, é obrigado a ir à casa de uma família de um de seus subordinados para calar o furor que envolve a morte do filho caçula.
"Não existe crimes no país, isso é coisa do capitalismo". Esse é o mantra do governo ditador.
Em seguida, Liev é obrigado a caçar um suposto traidor. E descobre que a política e a diretriz do governo não são tão infalíveis e corretas como ele acreditava piamente. Por se recusar a interrogar (sob tortura, é óbvio) o veterinário que capturou como traidor e espião, sua esposa passa a ser alvo da polícia soviética e seu superior obriga Liev a descobrir a traição e delatá-la.
"Era a segunda vez em dois dias que uma idosa o enfrentava, o desprezava abertamente. Aquelas mulheres tinham alguma coisa que as tornava intocáveis, a autoridade dele não era nada para elas."
A vida de Liev, sua esposa e seus pais muda da noite para o dia. Perdeu o posto, a dignidade, o amor da sua mulher, o conforto que podia dar aos pais, sua casa, sua credibilidade. Perdeu tudo. E foi enviado para o norte, para trabalhar subordinado à polícia de pequeno escalão.
E então, se depara com corpos largados de forma estranha na floresta. Barbantes nos tornozelos, boca cheia de terra. Crianças nuas, largadas, esquecidas. Começa então uma caçada a esse assassino serial que o governo soviético exige anunciar que não existe. E a verdade... nada dói tanto quanto a verdade.
"O superior deles pediu que corressem na neve sem abrigos, mas não se incomodou nem em examinar o corpo do filho morto do colega deles. A morte de um menino tinha sido considerada bobagem."
Eu ganhei esse livro em um sorteio no ano passado e fiquei curiosa com sua história, foi bem recomendado, mas não li logo por ter uma pilha de livros na frente. Como esse ano eu estou no sistema de sorteio, ele entrou na meta. E caramba, eu devia ter lido logo! Que impactante!
Dei uma pesquisada e descobri que o livro é baseado na história real do assassino em série russo Andrei Chikatilo, conhecido como o Estripador de Rostov, responsável por 52 assassinatos na União Soviética.
O contexto histórico foi descrito com tanta precisão que fiquei chocada. Só lendo os agradecimentos do autor para entender que a pesquisa dele foi muito bem feita, por isso a gente se sente tão mal com algumas descrições, como a forma de educar crianças, como eram os orfanatos públicos, como se tratava homossexualidade. Não conheço nenhuma ditadura que tenha feito coisas boas para a população mais pobre.
"Liev tinha ouvido falar em presos que ficaram semanas abandonados e médicos cuja única função era estudar a dor. Ele passou a acreditar que coisas assim não existiam por acaso. Existiam por alguma razão, por um bem maior. Existiam para aterrorizar. O terror era necessário. Protegia a Revolução."
Com o decorrer da leitura é que se entende porque dar uma volta tão imensa entre o caso apartado por Liev no começo do livro e os assassinatos que ele passa a investigar quando é rebaixado. A criança de seu subalterno foi assassinada, e era a número 44. E o final? Surpreendente e muito bem encaixado. Não houve ponto sem nó.
Cada detalhe do começo do livro é importante para se entender o fim. Cada ação, cada nome, cada sobrevivente. E é por isso que o livro ganhou o status de best-seller.
"Se ia morrer numa cidade que odiava, para onde foi transferida por ordem do Estado, a 1.700 quilômetros de sua família, então morreria arrancando os olhos daquele filho da puta."
Cabe informar que este é só o volume 1 de uma trilogia. O volume 2 também tem os personagens Liev Demidov e sua esposa, Raíssa Demidova. Apesar disso, são histórias independentes, então você até pode ler uma sem obrigatoriamente ler a anterior, mas, cá entre nós, vai perder um livraço!
Sim, pretendo procurar os demais livros do autor. Gostei do modo como ele escreve, é intrigante e envolvente. Quem curte thriller policial, vai se amarrar.
Ah, sim!!! O livro virou filme em 2015!
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