Caroline Gurgel 30/01/2015Cruel, como o comunismo...Criança 44 estava na minha lista de leitura há muito tempo, mas sempre ficava para trás, até que foi sorteado como o livro do mês para o debate de um grupo de leitores do qual participo. É um suspense, não costumo ler muitos livros assim, mas o fato de ser ambientado no terrível pós-guerra stalinista despertou meu interesse.
Tom Rob Smith ambienta seu romance na opressora União Soviética de 1953 e nos conta a história de Liev Demidov, um agente da MGB, departamento de Segurança do Estado, que acreditava piamente no sistema stalinista. Por mais cruel e brutal que fossem, Liev apoiava sempre todas as “desculpas” do sistema, as “verdades” irrefutáveis, acreditava que os meios justificavam os fins e que tudo era um prol de uma sociedade igualitária.
Na bela sociedade soviética não existia assassinato, não existia infelicidade ou falta de qualquer suprimento. Se havia alguma morte, certamente tinha sido um acidente e nenhum cidadão ousava discordar. O medo calava a todos, ninguém nunca via nem ouvia nada. Eis que um dia um menino aparece morto nos trilhos de uma ferrovia e a família, desconfiada de que a criança fora assassinada, precisava ser silenciada. Liev fica incumbido de convencê-los de que tudo não passou de um acidente, mas, mesmo com toda sua cegueira em relação ao Estado, uma semente de desconfiança é plantada no respeitado agente.
Aos poucos, com o aparecimento de outras vítimas com morte semelhante, Liev passa a investigar os possíveis assassinatos em série, o que colocará a sua vida – e de sua família – em risco. Diante de tanta desumanidade, em quem confiar? Pode confiar na sua esposa, Raíssa Demidov? Quem é amigo e quem é inimigo? Quem fala a verdade?
O livro é narrado em 3ª pessoa e nos apresenta a barbárie da União Soviética do pós-guerra de forma crua. Entramos em um mundo frio, sem piedade, cruel e injusto, onde uns poucos da elite do Governo usufruem de regalias e mordomias e a maioria da população vive oprimida e marginalizada. Quanto mais leio histórias sobre o comunismo, mais nojo tenho do sistema. É duro imaginar que os cenários que vemos aqui um dia existiram e isso nos faz refletir sobre o mundo em que vivemos hoje, o quanto ainda precisamos evoluir ou se às vezes estamos retrocedendo alguns passos. Leituras como essa precisam estar sempre vivas, sempre presentes, para não nos deixar esquecer das atrocidades cometidas no passado e, assim, nos fazer pensar e tentar não permitir que tudo se repita.
Minhas expectativas em relação a essa leitura eram bem altas. Todo mundo havia amado, as recomendações eram muitas e os elogios, infinitos. Tinha acabado de ler Inverno do Mundo, de Ken Follett, uma ficção histórica riquíssima em detalhes, que se passa na Segunda Guerra Mundial e também entra um pouco no pós-guerra. Ou seja, eu vinha praticamente do mesmo ambiente escolhido por Tom Rob Smith. Vinha de uma leitura 5 estrelas e, portanto, demorei a gostar da trama de Smith, demorei a confiar em suas informações.
Por melhor que fosse a narrativa, não me via encantada pelos personagens, não me via dentro da história, nem entendia muito qual era a do autor. Parecia um bloqueio, um preconceito, como se naquelas primeiras duzentas páginas eu já tivesse decidido que não ia gostar do livro e pronto. Só não abandonei porque fui encorajada a continuar – e que bom que o fiz! A segunda metade do livro conseguiu, finalmente, me sugar.
Comecei a entender e a gostar da caracterização dos personagens, comecei a querer saber o que tinha acontecido e o que aconteceria, quem era quem, o que queriam e o porquê de seus atos. Finalmente dei meu braço a torcer e aplaudi a trama que o autor criou. A narrativa é muito bem estruturada, por mais que só percebamos isso nas últimas cem páginas. Os personagens passam de apáticos a carismáticos, de incompreensíveis a coerentes.
Em uma avaliação final, a leitura vale a pena e deixa um gostinho de quero mais. Honestamente, não saberia recomendá-lo para os fãs de suspense, uma vez que só me vi tensa nos últimos 30% da leitura. Para quem gosta de ficção histórica e de livros com jeito de script de filme é imperdível.
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