Sollyane 30/06/2021
Mais ideia do que conteúdo
Eu mesmo sofro, eu mesmo me dou colo. A partir dessa premissa, os poemas da obra literária de Pedro Salomão são construídos com o foco temático no autoconhecimento e no amadurecimento. De certo modo, o objetivo deste livro, que finaliza a trilogia "Eu Tenho Sérios Poemas Mentais", é transmitir palavras paliativas, nas quais emanam um efeito terapêutico, e, sobretudo, inspiracional para com os problemas da vida.
Nessa diretriz, o escritor, na tentativa de fazer com que o seu último livro encerrasse a série com uma mensagem de superação, mostrando que a vida pode ser bela, transmite, ao invés, a sensação de que os poemas foram escritos para ele apenas. Como se fosse um lembrete ao autor de que ele sobreviveu, além de avisar a si próprio de que precisa começar a viver. Assim, enquanto a evolução da vida de Pedro Salomão é ?relatada? nos poemas, o leitor assiste a isso, de forma que, se conectar com o livro torna-se difícil, uma vez que os poemas são maiormente pessoais e excludentes a terceiros - nesse caso, o próprio leitor. Com essa margem limitada de destinatários, a poesia não é acolhedora, mas sim intimidadora e, em certo nível, acusatória. Composta de forma imperativa, as lições de moral do escritor submetem as pessoas que ainda persistem na vereda sombria da vida a um nível inferior. Como se fosse um regresso ter dúvidas quanto às ideias motivacionais transmitidas na narrativa. Em um dos poemas, é aconselhável o descanso para quando se está cansado. Para validar isso, o autor argumenta que você ?tem direito de se retirar e cuidar de você?. Seria útil se fosse prático assim. Podemos ter o direito, mas nem todos temos a oportunidade, o que remete os poemas à realidade do próprio autor. Isso delimita a recepção dos poemas ao leitor, já que há pouco espaço para interpretações próprias, visto que, sendo vários excertos extremamente pessoais, não englobam, dessa forma, todos as pessoas. Não tendo abertura para isso, compromete, dessa maneira, a relevância de certos assuntos retratados no livro. De forma despretensiosa, o "eu" do título diz respeito a uma única pessoa, na qual faz a leitura desse livro ser indiferente pra quem leu, já que, acredito que o intuito de quem comprou este livro não era de ler uma autobiografia de Pedro Salomão em versos.
Ademais, ainda que alguns poemas sejam melhores estruturados, e até passíveis de serem considerados realmente bons, como os poemas vistos nos livros anteriores da série, são insuficientes para salvar a experiência de leitura. Inúmeros poemas são rasos, mal desenvolvidos e repetitivos. Contudo, ressaltou várias vezes, o autor, que sua poesia é uma arte que lhe concerne apenas. Sob esse prisma, de que não é necessário adequar a poesia a uma padrão, seja para mostrar e marcar a identidade literária do escritor aos leitores ou simplesmente porque os poemas são resguardados na licença poética, o conteúdo fica à mercê do relaxo. Assegurado por essas justificativas, razoável, se não medíocre, é a escrita do autor, na medida em que o cuidado para com ela foi progressivamente regredindo desde o livro um. Acerca disso, aparenta ser mais um livro de auto ajuda, só que com um arranjo de palavras mais cativantes e suaves, bem como contendo também uma estruturação mais leve. Por fim, para encher o enredo, as histórias por trás dos poemas são as mesmas, apesar de serem mascaradas com diferentes elementos, por exemplo, os poemas repetidos que falam sobre sementes e plantações.
Além disso, controversamente, o livro que tecnicamente era para ser de poemas é composto , se não em maioria, por inúmeros ensaios. Esses que contém os mesmos problemas estruturais já supracitados. Embora o livro seja de poemas, não seria um problema tão acentuado caso o restante do livro fosse bom. Porém, se nem os poemas entregam o que é prometido, isto é, um conteúdo de qualidade, quem dirá os ensaios! No entanto, é evidente que os ensaios demandam menos trabalho e são mais rápidos frente ao processo criativo e desolador que um poema pode exigir. Ainda, em uma passagem, o escritor escreveu: ? Eu estou escrevendo esta carta ?? . Talvez ele tenha se esquecido do gênero do próprio livro, o que passa de hilário para um desapontamento notório de quem leu. Analisando a finco os problemas do livro, os ensaios até que ajudam a encher as páginas, caso o objetivo fosse mais uma publicação lucrativa de um autor consideravelmente conhecido ao público.
Portanto, certamente "Eu mesmo sofro, eu mesmo me dou colo" é órfão de dedicação e de cuidado por parte do autor. É mais alcançável a ideia que o autor quis transmitir, de superação e felicidade, do que o conteúdo em si. Em ?Eu tenho sérios poemas mentais? a desordem e inconstância dos sentimentos evoluem para, em ? Se você me entende, por favor me explica?, a possibilidade de se conhecer e aceitar os problemas que são presentes, com o objetivo de em ?Eu mesmo sofro, eu mesmo me dou colo? conseguir praticar a auto aceitação, o perdão quanto a incompreensão da fase anterior e, finalmente, a aprender a viver o máximo que a vida pode dar, da melhor forma. Infelizmente, o último livro faz jus à trilogia no que tange ao potencial do autor, e não propriamente ao produto final.