Ebenézer 23/03/2021
Muito bom além de chocante
Que livro, esse Laranja Mecânica!
Inusitada experiência: desconhecia aversão literária, até chegar Laranja Mecânica; folheei algumas páginas, virei outras, "videei" aquele dialeto estranho e fui sentindo enfado com aquela linguagem.
Há amor à primeira vista? E ódio? Entre um e outro eu não conseguia iniciar Laranja Mecânica.
Pensei não beber dessa água, e só a custo fui me convencendo.
O "Aviso ao Leitor" me instigou: "Seja qual for a opção, prepare-se: o choque será grande. Mas você vai gostar."
Mergulhei para experienciar o tal "choque grande".
Passei, então, a 'conviver' com Alex, Pete, Georgie e Tosko, uns elementos gângsters de ideias perversas, violentos, sem respeito ao próximo, incivis mesmo com os iguais, em atuação orgástica à base de alucinógenos.
O fim dessa galera: cadeia ou adesão aos miliquinhas.
Laranja Mecânica surpreende pela curiosa inovação estatal para conter a violência com experimentos duvidosos manipulando as percepções sensoriais dos infratores usados como cobaias.
Vistas assim, angustiam as sessões de tortura psicológica, todavia não estaríamos igualmente submetidos a métodos sofisticados e invasivos, cujas consequências são imprevisíveis, mas certamente danosas à nossa privacidade? Inconscientes, mas cordialmente, aceitamos as induções que alteram comportamentos que nos tornam robotizados, por um fenômeno típificado como "servidão voluntária"?
A deterioração nunca é isolada, vem junto o esgarçamento das relações familiares cujos liames afetivos sofrem perdas irreparáveis e sem perspectivas de restauração, cuja realidade é tão evidente no tecido social.
Enfim, sem nenhuma dúvida, Laranja Mecânica, um belo livro que choca pela rudeza que apresenta a vida do submundo da humanidade, no qual nem mesmo a religião, sua sacralidade e seus representantes lançam tanta luminosidade.
Pena que só na Edição Comemorativa de Laranja Mecânica há Nota Extra e A Condição Mecânica que tornam ainda mais brilhante a feitura do livro.