Natasmi Cortez 19/04/2024Não fossem as sílabas do lutoO texto íntimo dá um tom pessoal às narrativas da Mari Carrara. Os personagens são tão reais e humanos que é difícil crer que são apenas de papel, apenas frutos da imaginação. O leitor se perde nas emoções, ora ri, ora chora, mas independente do humor, o leitor sente. Olhar tão profundamente dentro de alguém nos dá a falsa sensação de manter com o narrador uma espécie de relacionamento.
Liberta das amarras sociais que me cercam, pude ter conversas passivo-agressivas com Ana, a narradora dessa história mergulhada em tristeza. O tema tratado por Carrara nesse livro, é delicado, doloroso e cercado por uma série de julgamentos. A obra se debruça sobre o luto em sua forma mais crua, incômoda e desconfortável: o sentir. Estar presente na dor exige uma nudez da alma que poucos conseguem. Talvez, por ser tão diferente de mim mesma, Ana tenha me causado recalque. Pela primeira vez em um livro da Mari, não consegui me permitir uma conexão com quem conta a história. Não sai ilesa da leitura, pelo contrário, sai um pouco amargurada dessa experiência.
Não conseguindo estar na profundidade com Ana, tentei abraçar a fuga proporcionada pela leveza de Madalena. Permanecendo no raso, ela me proporcionaria segurança na jornada. Mas não é Madalena quem expõe sua vida, seus sentimentos e experiências. E eu, que nunca aprendi a nadar, tive que me afogar em um mar de dor e ressentimento.
Em relação aos outros livros da autora, aqui o ritmo é mais lento e a progressão é mínima, mas Mari compensa com sua escrita ainda mais poética. O amadurecimento da história, apesar de singelo, é lindo. O final dá uma sensação não de felicidade, mas de esperança, como se as coisas enfim fossem acontecer. Apesar de ter amado, confesso que senti falta daquele humor tão característico da autora.