Jessica Becker 12/10/2017Carrie, a Estranha
“É a última vez que magoam Carrie.” (pág. 110)
Primeiro livro lançado de Stephen King (1947 – atual), autor mundialmente conhecido por suas obras de horror, Carrie, a Estranha por pouco não foi publicado. O manuscrito da obra, que inicialmente deveria ser um conto, foi descartado pelo autor pois não acreditava que essa seria uma boa história. Tabitha King, esposa de Stephen, encontrou as laudas inacabadas na lixeira, leu-as e pediu a King que fosse em frente e concluísse a obra. O resultado foi um trabalho célebre, que permanece em publicação até os dias de hoje, entretendo e horrorizando gerações de leitores.
Carrietta White é uma jovem concluinte do colegial, conhecida na escola por suas esquisitices. Filha de Margaret White, uma fanática religiosa, Carrie teve uma educação bastante rígida e incomum, o que gerou uma série de práticas de bullying contra a garota. Mas o que nenhum dos colegas de Carrie podia imaginar, era que ela possuía poderes telecinéticos que, se combinados com seu ódio crescente, seriam capazes de causar uma devastação e garantir que ninguém mais a machuque.
” – Ó Senhor – mamãe declamou exageradamente, a cabeça para trás – , ajudai essa mulher pecadora a meu lado a ver o pecado de sua maneira de ser. Mostrai-lhe que se ela tivesse se mantido pura, a maldição do sangue jamais a teria atingido. Talvez ela tenha cometido o pecado dos pensamentos lascivos. Talvez tenha ouvido rock no rádio. Talvez tenha sido tentada pelo Anticristo. Mostrai-lhe que essa é vossa mão benevolente e vingativa em ação e…” (pág. 40)
Já na primeira obra de Stephen King, é possível perceber o talento do autor em criar personagens capazes de despertar sentimentos no leitor. Carrie White em nenhum momento me pareceu um monstro e sim uma vítima das colegas e da própria mãe. Torci durante toda a história por um final feliz para ela. Margaret White, por sua vez, uma fundamentalista que maltratava a filha e a enxergava como uma maldição, despertou sentimentos negativos que me fizeram ansiar por um final bastante ruim para ela. Já Sue Snell me deixou com dúvidas sobre suas reais intenções: aquilo que sentia era arrependimento genuíno ou queria apenas demonstrar aos outros que era uma boa pessoa? Por fim, Chris me pareceu apenas uma garota mimada, que precisava de limites e punições rígidas para suas atitudes. Nem de perto, senti por ela a indignação que senti por Margaret.
“Muita gente está dizendo que tem pena de Carrie White, as meninas principalmente, e isso é uma piada, mas garanto que nenhuma delas sabe o que é ser Carrie White cada segundo de cada dia. E, no fundo, estão pouco ligando.” (pág. 54)
Li Carrie no início da minha adolescência e o reli recentemente, cerca de dez anos depois. Lembro que na época tinha adorado o livro. Hoje percebo que deixei passar muita coisa na minha primeira leitura e que a obra é ainda melhor do que imaginava. Me comovi bastante com Carrie e senti um imenso ódio da mãe dela. Quando terminei a releitura fiquei imaginando se toda aquela catástrofe poderia ter sido evitada se Carrie tivesse sido educada e criada como uma garota normal, sem as sessões de tortura física e psicológica proporcionadas por aquela pessoa que deveria ser seu refúgio. Claro, ela ainda teria poderes telecinéticos, mas talvez não sentisse necessidade de treiná-los e usá-los. Ao menos não da maneira e na proporção que foram utilizados.
Por outro lado, também me pergunto: e se alguém tivesse se preocupado em se aproximar de Carrie e conhecê-la melhor ao invés de ridicularizá-la durante praticamente sua vida inteira, será que a garota deixaria que essa pessoa se tornasse próxima o suficiente a ponto se surgir uma amizade e haver então uma válvula de escape? Não me refiro somente aos colegas, mas também aos adultos que se mostravam impacientes com a ignorância da garota.
Enfim, Carrie, a Estranha, obra de estreia daquele que viria a ser considerado o mestre do horror contemporâneo, é um livro brilhante e memorável, com elementos sobrenaturais, mas que não provoca sustos. Ao invés disso, causa horror ao expor a relação familiar doentia de Carrie e da mãe, e repulsa ao mostrar do que algumas pessoas são capazes diante daquilo que é considerado anormal e que, por isso, incomoda.
“Jesus me olha da parede,
Rosto frio feito pedra,
E se sou por Ele amada
Como ela sempre diz que sou,
Por que me sinto tão só?” (pág. 48)
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