Lari 07/04/2013
Uma Obra de Arte que Tranforma
Eu pensei muito antes de decidir fazer resenha para Os Miseráveis. Pra ser bem sincera, agora mesmo, enquanto eu escrevo, tenho dúvidas a respeito do que vai sair, e se vai valer a pena publicar. Eu não sei bem direito por onde começar. Por onde se começa a falar da melhor experiência literária que já se teve na vida? De algo que mexeu tão intimamente com a gente?
Victor Hugo não escreveu um livro. Ele criou uma obra de arte, dessas que têm o poder de modificar a nossa maneira de ver o mundo, de sentir e de nos relacionar com as pessoas. Nos ensinam e nos fornecem bagagem cultural. Foram dois meses e meio em que eu me senti morando na suja e fedorenta Paris do século XIX, vendo sua miséria e seu abandono de perto. Foram dois meses e meio em que Jean Valjean, Fantine, Cosette, Marius, Javert, Gavroche, Eponine, Mabeuf, Enjolras, enfim, em que todos personagens desse livro fizeram parte da minha vida. Eu os carreguei pra cima e pra baixo. Pensava neles mesmo quando não estava lendo, sonhava com eles. Com esses personagens chorei, mas também ri. Lutei ao lado deles. Os Miseráveis é daqueles livros que se economiza a leitura para manter ele por perto o máximo possível, e que quando termina ainda fica com a gente por muito tempo. É daqueles livros que se chora no final, mas não apenas pelo final em si, mas também por termos que dizer adeus.
Eu não faço a mínima ideia se era isso que eu devia estar falando. Apesar de achar que todo mundo a conhece, talvez eu devesse estar contando a história do livro. Dizendo que trata-se da trajetória de um ex prisioneiro das galés regenerado, que se chama Jean Valjean, e as demais pessoas que por um motivo ou outro cruzam seu caminho. Que todos esses personagens estão emaranhados em uma teia que une suas histórias de forma genial. Talvez eu devesse ambientar os acontecimentos no tempo e no espaço, salientando que a história começa um pouco antes da Batalha de Waterloo, no final da Era Napoleônica, e termina em torno de um ano após a Insurreição Democrática de 1832. Talvez eu devesse dizer também que esta última corresponde ao acontecimento histórico mais importante do livro.
Ou quem sabe eu poderia falar dos personagens. De como é impossível não se apaixonar perdidamente pela jovialidade infantil de Gavroche, esse destemido e irreverente menino que foi o grande responsável pelos meus momentos de riso durante a leitura. Como não se compadecer de Fantine, na minha opinião a personagem que melhor personifica a condição de miserável, e não se entristecer com seu destino? Impossível foi pra mim não sentir raiva e mágoa de Marius e Cosette, em determinado momento, embora esse sentimento não tenha permanecido por muito tempo. Como não sofrer junto com Jean Valjean? Como não sentir o coração apertado sempre que ele é posto a prova?
Eu poderia seguir a linha que a maioria segue e discorrer sobre o grande objetivo do Victor Hugo com Os Miseráveis. Falar de todo apelo e crítica social contida nessa obra, que volta os seus holofotes a uma França de que não se costumava falar, cheia de injustiça, pobreza, prostituição, abandono infantil e idoso, crueldade, criminalidade, esfregando na fuça de todos a imagem daqueles que sempre viveram às margens da sociedade e a quem ninguém nunca deu atenção.
Poderia também dizer que dentre todas reflexões e aprendizados que a obra me proporcionou, o que mais me marcou foram os embates internos dos personagens, a forma como Victor Hugo descreve um fluxo de consciência e muitas vezes racionaliza o que é inconsciente, de maneira que o leitor é transportado pra dentro de suas mentes e assiste de perto às batalhas que eles travam consigo mesmos. Nenhum outro autor até hoje conseguiu me fazer sentir tão próxima dos personagens, como se eu os conhecesse intimamente.
Enfim, eu poderia ficar uma semana aqui, escrevendo sobre mais uma série de coisas, mas o que vocês realmente precisam saber é isso: Os Miseráveis é um livro que modifica. Ninguém termina de lê-lo sendo exatamente a mesma pessoa que era quando começou, e é isso que o torna uma experiência literária completa e inesquecível.