Ana Júlia Coelho 01/12/2023Sempre vi Fernanda Montenegro como alguém imponente, séria, com uma postura de dar medo em qualquer um. Tenho poucas lembranças de trabalhos dela, mas os personagens que mais me marcaram foram Bia Falcão e Nossa Senhora, em O Auto da Compadecida. Talvez por esses dois trabalhos ela sempre tenha me passado essa imagem que descrevi acima. Mas, nesse livro de memórias, podemos conhecer um pouco mais sobre essa mulher brilhante e batalhadora (um pouco mais, porque é difícil conseguir resumir uma vida tão longa e tão relevante em pouco menos de 300 páginas).
A história nos leva até seus antepassados italianos quando chegaram ao Brasil. Conhecemos um pouco sobre suas origens, até mergulharmos de vez em sua própria história. Desde nova sentiu uma certa inclinação para a arte – não à toa, tem mais de 70 anos de carreira – e nos conduz por todo seu esforço até se consagrar como essa grande atriz. E que esforço. Sempre gostou muito de teatro, e foi aos trancos e barrancos que conseguiu fazer dessa arte o seu ganha-pão. Depois foi para radionovelas, a primeira atriz contratada pela TV Tupi, mas nunca abandonou os palcos, onde se sente viva e feliz.
A história de Fernanda se mescla com a história do teatro em um contexto caótico em se tratando de política no Brasil, e foi muito incrível acompanhar esses eventos históricos do ponto de vista de uma pessoa que pôde narrar o que viveu, sem ser um livro técnico de história. Me senti como se ela conversasse comigo ao relatar os acontecimentos de sua vida.
Também vemos um outro lado de Fernanda, a Fernanda esposa, mãe, amiga. Por ser do teatro e precisar viajar com frequência, ela relata, em alguns momentos, a incerteza de estar criando bem seus filhos – e chega à conclusão de que todas as falhas e ausências foram perdoadas, já que ambos seguiram carreira no mesmo meio dos pais. O relacionamento dela com Fernando é tão lindo, tão maravilhoso, que me emocionei com dois bilhetes retratados no livro. As amizades, muitas delas tão duradouras quanto a própria vida de Fernanda, também são exemplares. Infelizmente, uma pessoa que beira um século de idade acaba dando adeus a muitos companheiros de estrada, e ler a dor da atriz ao narrar cada perda também é doloroso para o próprio leitor.
Um livro assim nos aproxima de figuras icônicas pelo fato de ser a própria pessoa quem narra sua história. Gostei muito dessa troca com as páginas, e queria que o livro tivesse muito mais a nos contar. Em quesito edição, a diagramação é perfeita, diferente da maioria das biografias que vemos por aí, mas peca na inserção das imagens no meio de frases (poderia colocar antes ou depois, isso me incomoda bastante). No quesito história, entendo os momentos maçantes de narrativas como essa, já que são muitas pessoas citadas e, particularmente nesse livro, muitas peças também, então esse pedaço me deixou um pouco entediada, mas logo retoma com tudo, me prendendo de um jeito muito prazeroso. Mas o que mais ficou evidente nessa história toda é o amor de Fernanda pela vida, pela sua trajetória, pela família que construiu, por tudo que viveu, pelas pessoas que encontrou. Ela pode, sim, dizer que tem uma vida muito bem vivida. É uma história tão maravilhosa que eu fico MUITO feliz de ter tido o prazer de ler e ser tocada pela forma poética com que a atriz narra sua vida.
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