Georgeton.Leal 02/08/2022A responsabilidade de ter olhos quando os outros perderamEsse foi o meu primeiro contato com Saramago e, à princípio, estranhei um pouco a escrita peculiar dele, com parágrafos enormes e a ausência de pontuação na maior parte das frases. De certa forma, essa maneira de narrar se aliou perfeitamente às passagens tensas do livro, transmitindo um nervosismo que há tempos eu não sentia numa leitura.
O autor apresenta aqui um verdadeiro laboratório sobre a decadência da natureza humana. Sentimentos desprezíveis, como o egoísmo e a indiferença, são potencializados nessa trama sob o viés extremo da alienação causada pela "cegueira branca". Há situações bastante repulsivas no decorrer dos capítulos e que são consequências inevitáveis do terrível quadro epidêmico que se alastrou.
Aqui vale notar que os personagens não são nomeados, sendo identificados apenas por alguma característica pessoal que os designe. Aos poucos a desumanização deles vai acontecendo, até chegar num ápice onde é difícil manter a razão e a civilidade. Apenas no grupo da mulher do médico (a única pessoa que enxerga) é que ainda existe algum resquício de esperança em meio a todo aquele caos. A sobrevivência vai sendo garantida dia após dia com grandes, e até fatais, dificuldades. Quando chegamos no último capítulo, já estamos tão apreensivos que o alívio do final é sobremodo reconfortante.
Este é um livro que eu não recomendaria pra qualquer pessoa. Apesar de ser uma obra digna da fama que possui, é necessário "ter estômago" pra aguentar certas passagens. Claramente, Saramago quis ilustrar muita coisa através dessa história, como se a mesma também fosse uma parábola a respeito da real condição do homem em uma sociedade arruinada e sem solução, onde todos estariam cegos em seus temores e ignorância. Em contrapartida, o autor também mostra que nem tudo está perdido e que ainda pode existir bondade e compaixão para com o próximo mesmo num mundo repleto de terror e morte.
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