joaooo15 07/08/2022
Magnífico com M maiúsculo.
A busca por um livro que combinasse TUDO o que gosto foi realizada com sucesso. "Território Lovecraft" reúne, nesse bolo delicioso, altas doses de suspense, fantasia, sociedades secretas, pulp fiction, terror, História, Literatura e representatividade. A maior qualidade da obra é sua incapacidade de comparação, a unidade na qual esse livro é estruturado o torna tão estupendo como os segredos por trás da Monalisa ou de A Última Ceia.
Tudo já começa na representatividade negra trazida na história. Pessoalmente, é a minha primeira vez (em mais ou menos 40 livros lidos durante 2 anos) que leio um livro protagonizado por uma família negra, nos anos 60, vinda dos bairros de Chicago - EUA. Sendo um dos principais gatilhos, as diversas cenas de racismo marcam sua presença, compondo a vitamina de emoções de qualquer leitor com senso de humanidade e são muitíssimo importantes para a empatia que se sente com cada personagem. Os xingamentos, as agressões, as humilhações e uma porrada de desumanidade trazem à tona uma dura realidade enfrentada ao redor do mundo e por tempo além do impensável. Infelizmente, por mais que seja difícil ler esses momentos e saber que esses casos são apenas uma pequena parcela do que aconteceu de verdade, a relevância dessa realidade é importante para a construção da estória e para a conexão com a família Freeman.
Falando em personagem, falta de aprofundamento neles você não verá aqui. Todo participante do enredo tem uma vivência única, com passados muito bem detalhados e que influenciaram quem os personagens atualmente são. O desenvolvimento deles é bastante consolidado (inclusive, existem capítulos INTEIROS voltados somente para a história para cada membro), é perceptível que houve o comprometimento do Matt para a formação de suas personalidades, emoções, habilidades e psicológicos. Nem preciso dizer o quão necessário isso é. Saber como aquele personagem age, pensa e sente nos proporciona uma sensação de pertencimento à obra, uma sensação de intimidade, como se fôssemos membros da família e mostra que todos eles possuem sua importância no desenrolar da estória, não é como se fossem apenas jogados ali para moverem as coisas e fazerem companhia ao protagonista.
O refinamento literário também não deixa a desejar. Como fica nítido no título do livro, a participação das obras do H.P. Lovecraft são o que moldam o universo da ficção. Apesar de admitir de não ter lido - ainda, mas pretendo - muito de Lovecraft, as referências podem passar ligeiramente despercebidas, porém, não é nada que impeça a compreensão do enredo como um todo. Aliás, esse livro me impulsionou a ler mais o autor de suspense e conseguiu representar de uma forma interessante as obras lovecraftianas àqueles que não tem muito conhecimento (como eu). A "representação" sobre a qual digo é saber mostrar um conteúdo a leitores que desconhecem o escritor de maneira que chamasse sua atenção para conhecer mais. Mesmo com apenas 1 livro lido do H.P., a partir de "Território Lovecraft", fui capaz de ter uma noção das obras do "autor muso". E me parece que vou gostar bastante.
A fantasia, o suspense e o terror se complementam assim como hambúrguer, refrigerante e batata frita, tudo na medida certa. O terror não é daqueles de te fazer pular de medo conforme lê as páginas, mas sim dos tipos de te fazer mastigá-las. Nada mais emocionante do que monstros sem sentido, lugares com ar suspeito e de tensão e personagens com poderes e habilidades mágicos, né? Tudo isso o livro traz junto.
A separação do livro em contos é interessante e os capítulos possuem quantidades de páginas meio incertas algumas vezes. Uns capítulos têm 20 páginas; outros, podem ter 3 ou 4.
Se me lembrasse de todas as páginas lidas, com certeza me habilitaria a descrever sobre cada uma delas. O livro não traz apenas um universo repleto de indagações, mistérios, personagens com energias peculiares, criaturas indescritíveis, magia e segredos, ele nos proporciona uma parte da realidade em que vivemos, revela assuntos delicados, mas necessários a serem debatidos. A maneira como ele te instiga a ler mais e mais, sem parar, instalando cada cena em nossas mentes para que sejam traduzidas pelas emoções, é capaz de te hipnotizar. A agonia, a tensão, os risos de nervoso vão ser muito bem sentidos e valerão a pena. Sem dúvida, essa história entra na lista dos livros que eu faria de tudo para reler como se fosse a primeira vez.
Esse livro também nos mostra algo importante para a comunidade leitora: visibilidade. Sim, temos inclusão como raramente é vista, porém sempre precisa-se de mais, mais espaço, mais atenção, mais respeito. Matt Ruff é um escritor branco que trouxe uma pauta ignorada, por muito tempo, por muitas pessoas, e devemos, sim, agradecê-lo por isso. Mas, necessitamos tornar especiais aquelas pessoas, há tantos séculos, repreendidas e desumanizadas. Não leiam sobre representatividade negra, racismo e parem por aí, LEIAM autores negros, de fantasia, romance, drama, poesia, aventura, terror e o que mais existir.