Leila de Carvalho e Gonçalves 24/05/2021
?O Amor Nunca Morre?
Publicado em 1847, sob o pseudônimo masculino de Ellis Bell, O Morro dos Ventos Uivantes é o único romance da escritora britânica Emily Brontë. Considerado um clássico da cânone ocidental, por ocasião de seu lançamento, recebeu severas críticas, sendo acusado de sombrio, mórbido e violento. Curiosamente, são esses características que mais despertam o interesse pela obra hoje em dia.
Com forte apelo sobrenatural, sua linha mestra é o amor proibido entre Heathcliff e Catherine, tendo como cenário uma fazenda isolada e fustigada pelo vento que dá título à obra. Irmãos de criação ou até meios-irmãos, essa sugestão paira no ar, o envolvimento entre eles deixará rastros de dor e sofrimento ao longo de toda narrativa.
Seu protagonista é o retrato cabal do anti-herói, uma novidade para a época. Um homem fascinante capaz de amar e odiar com uma intensidade, aliás, uma intensidade que só é menor do que a sede de vingança. Em nome desse sentimento, ele é capaz de destruir o mundo ao seu redor mesmo que lhe custe a solidão.
Apresentando inúmeras adaptações para o cinema e a televisão, esse romance é uma excelente oportunidade para se aventurar pela literatura vitoriana. A bem da verdade, sua trama envolvente consegue arrebatar corações de todas as idades, ao abordar um amor que ultrapassa a morte e faz temer pelos atos que decidem nossa existência.
O poeta italiano Gabriel Rossetti (1828 - 1882) afirma que essa história acontece no Inferno, só que os lugares e as pessoas têm nomes ingleses... A definição é curiosa e faz justiça ao talento de Brontë, uma luterana praticante, solteira e solitária cujo profundo conhecimento da alma humana parece ter nascido de uma intuição quase selvagem aliada proximidade com os livros desde muito pequena.
Quanto a edição, as grotescas ilustrações em branco e preto de Janaína Tokitana exibem uma aura fantasmagórica em perfeita harmonia com a narrativa. Coincidentemente, a tradução de Stephanie Fernandes também está irretocável, assim como o texto que ela assina, ?Deixe-Me Entrar?, no qual comenta a dedicação e as dificuldades ultrapassadas para levar adiante seu trabalho. Como ela mesma afirma: ?Na minha perambulação tradutória pela obra, experimentei encarar o breu até acostumar a vista e, qual morcego, captar ecos para divisar contornos. Assim espero ter traçado algum sentido, mas não muito. Cada leitor que invoque seus próprios fantasmas.?
Por sinal, a Fortuna Crítica da edição mais uma vez redimensiona o olhar do leitor para o romance. Em ?O Piso Limpo E O Olhar Do Gato?, Sofia Nestrovski esmiúça a vida de Emily Brontë, tratada como ?um burro de carga do lar, sempre de prontidão para realizar qualquer tarefa?, portanto ?ninguém descansa nessa história. Ninguém dorme e, ao mesmo tempo, o romance todo é uma espécie de pesadelo. A insônia teimosa das noites produz um desajuste nos dias. Parece mesmo que estamos sonhando de olhos abertos: as leis que governam a vigília ficaram suspensas.?
Já Daise Fonseca Dias em ?O Morro dos Ventos Uivantes: Um Romance de Formação Feminino?, discute a questão étnica ? ?a pele escura? ? de Heatchcliff, o modelo de inglesidade como parâmetro do comportamento adequado e de como o o livro ao se aproximar, também se ?afasta dos paradigmas de um romance de formação, especialmente porque não se debruça sobre jovens em busca de aperfeiçoamento intelectual e pessoal, mas volta-se para indivíduos em conflito diante de escolhas pessoais que são, de igual sorte, políticas. O eco da obra de Brontë ressoaria pouco mais de um século depois, em teorias feministas dos anos 1970: o pessoal é político.?
Para finalizar, fico com Juliana Cirqueira, responsável pela Apresentação do romance: ?Ao leitor que decidir, por sua conta e risco, adentrar essa história, deixo aqui o meu aviso: o que você tem em mãos é uma preciosidade sem igual. Deixe que ela te perturbe, te desafie e te leve por caminhos inesperados. Boa leitura!?