Fabio Shiva 22/04/2020
“Os Brutos Também Amam”
Em 2012 eu li “A Estrutura do Romance”, de Edwin Muir (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2012/10/a-estrutura-do-romance-edwin-muir.html), excelente obra de teoria literária que muito me ajudou em meus caminhos de escritor. Pois bem, nesse texto o autor divide os romances em duas categorias principais: tempo e espaço. E cita incansavelmente “O Morro dos Ventos Uivantes” como um sublime exemplo de “romance dramático”, onde o tempo é um fator crucial para promover modificações nos personagens. Já no “romance de personagem”, o fator espaço é o mais importante, uma vez que os personagens não sofrem grandes alterações e limitam-se a mudar de cenário ao longo da história.
Por essas e outras fiquei desde então com um desejo intenso de ler “O Morro dos Ventos Uivantes”, cujo título original é incrivelmente sonoro: “Wuthering Heights”. Ao final do ano passado, minha querida irmã Jussara, que mora no Rio de Janeiro, encontrou um exemplar desse romance em uma casinha de livros por lá (como é maravilhoso ver esses pontos de doação de livros se multiplicando pelo planeta!), e ao saber disso, pedi o livro de presente, na cara dura... e fui atendido!
Esses oito anos de espera, contudo, não poderiam me preparar para a experiência única que é ler “O Morro dos Ventos Uivantes”. Uma história de amor inesquecível, porque esquisitíssima: são duas gerações de triângulos amorosos, onde todos os vértices são igualmente detestáveis, personagens antipáticos, egoístas, mesquinhos e que passam o tempo todo aporrinhando uns aos outros! Nunca li nada parecido com essa história, a não ser no campo da sátira, que me fez evocar o atribulado romance entre os pais do herói de “Memórias de Um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida, que diz ser “filho de uma pisadela e de um beliscão”...
Contudo, por alguma espécie de misterioso fascínio, fiquei preso à história do início ao fim, horrorizando-me com algumas das cenas “românticas”, sentindo gastura com aquela gente intratável, mas querendo o tempo todo saber como iria terminar aquilo. É inegável o talento da autora Emily Brontë, que inclusive se vale do intricado recurso da narrativa dentro da narrativa, com idas e voltas no tempo, sem jamais perder o fio da meada.
Ao saber que a autora desencarnou precocemente, aos 30 anos de idade, apenas um ano após publicar seu livro, comecei a formular uma curiosa teoria, que a meu ver explica as singulares características de “O Morro dos Ventos Uivantes”. Talvez Emily Brontë tenha sido uma criança azul nascida antes do tempo, vinda de algum planeta bem mais evoluído que o nosso. Assim, inevitavelmente ficou chocada com a grosseria e brutalidade que encontrou por aqui, o que a motivou a escrever uma história de amor passada entre tais feras. Sua psique refinada, contudo, não suportou por muito tempo o rude ambiente no qual estava confinada, e Emily voltou para as estrelas logo após nos deixar sua obra-prima, que também poderia ter se chamado “Os Brutos Também Amam”.
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