spoiler visualizarab 14/08/2022
Dom Casmurro e Lolita
É praticamente impossível não conhecer a história de Lolita, nem que seja algo vago.
Quando dei início a leitura, relembrei de dom casmurro; a essência de não poder confiar no autor da história, naquele único ponto de vista.
Humber Humbert é doente e não se exime de culpa em momento algum, porém tenta persuadir o leitor ao decorrer de cada ato grotesco que ele faz (mas lembrando, ele não se exime de culpa)
Não é de se impressionar que ele tente nos convencer pelas descrições rebuscadas e romântico de que era alguém desamparado, e que necessitava satisfazer seu prazer doentio. Chega a colocar a garota contra o leitor, a chamando de perversa ou demônio por cobrar dinheiro em troca de favores sexuais. Vale lembrar, é o ponto de vista dele; não se pode confiar.
Lolita é uma obra que deve ser lida com bastante paciência e maturidade. É uma história trágica, não de romance. Humbert apenas amou mulheres mortas, e o constraste de Dolores com seu primeiro amor o faz sentir vivo de novo. Humbert JAMAIS fora apaixonado de fato por Lolita, ele apenas se forçava a manter a imagem de seu primeiro amor vivo por meio da garota infeliz. Era obsessão.
O livro conquista o leitor não por sua temática nojenta, mas sim pela forma que Nabokov consegue construir um antagonismo espetacular, alem das descrições bem feitas. É uma leitura rebuscada, mas não daquelas que o leitor não entende nada, mas sim uma construção romântica, nojenta, triste, incestuosa.
A ira do pedófilo é vista apenas quando ele se vê desafiado por um igual. Vale destacar seu ciumento paternal por outros garotos que se interessavam por sua enteada Haze. Seu fascínio por Dolores é nítido, mas ele sabe que está errado. Por saber de seu erro, a trata como uma garota demoníaca, suja, perversa. (Nada além de seu próprio reflexo)
Jamais imaginei que entenderia porque algumas pessoas elogiam tanto esse livro. Sempre achei ele nojento, e é. Porém, estaria mentindo se dissesse que a persuasão do escritor foi TÃO bem construída para o leitor se sentir mal que em certos precisei parar a leitura e relembrar de todo trajeto e traumas que ele causara a garota.
Enfim, poderia passar horas falando disso, e espero reler pra poder falar mais e mais, mas por enquanto vou deixar minhas partes favoritas aqui.
?? e eu não conseguia parar de olhar para ela, e soube tão claramente como sei agora, que estou prestes a morrer, que a amava mais que tudo que já vi ou imaginei na Terra, ou esperei descobrir em qualquer outro lugar. Ela era só um eco de aroma tênue de violeta e folhas mortas da ninfeta sobre quem eu rolara no passado com tantos gritos; um eco à beira de uma ravina rubra, com um arvoredo esparso sob um céu branco, folhas castanhas entupindo o leito do riacho, e um último grilo perdido em meio à relva ressecada... mas graças a Deus não era só esse eco que eu adorava. O que antes eu acalentava nos cipós emaranhados do meu coração, mon grand pêché radieux, minguara de volta à sua essência: o vício estéril e egoísta, tudo aquilo eu cancelava e maldizia. Podem rir de mim, podem ameaçar esvaziar o tribunal, mas enquanto não me amordaçarem e garrotearem insistirei em proclamar minha pobre verdade. Faço questão de que o mundo saiba o quanto amei minha Lolita, aquela Lolita, pálida e poluída e prenhe de um filho alheio, mas com os olhos ainda cinzentos, os cílios ainda fuliginosos, ainda acaju e amêndoa, ainda Carmencita, ainda minha; Changeons de vie, ma Carmen, allons vivre quelque part où nous ne serons jamais séparés; Ohio? As matas de Massachusetts? Não fazia diferença, mesmo que os olhos dela desbotassem transformando-se em peixes míopes, que seus mamilos inchassem e rachassem e seu jovem e delicado delta de veludo se corrompesse e se rasgasse ? mesmo assim eu sempre enlouqueceria de ternura à mera visão de seu querido rosto muito branco, ao mero som de sua voz jovem e rouca, minha Lolita.?
?Fiquei ouvindo aquela vibração musical da minha encosta distante, esses relances de exclamações isoladas com uma espécie de murmúrio contido a lhes servir de fundo, e então percebi que a coisa desesperadamente dolorosa não era Lolita ausente do meu lado, mas a voz dela ausente de toda aquela harmonia.
Esta, portanto, é a minha história. Acabei de relê-la. Tem fragmentos de medula agarrados aqui e ali, um pouco de sangue e lindas moscas de um verde reluzente. Nesse ou naquele ponto da narração senti que eu próprio escorregava e me perdia de mim, mergulhando em águas mais profundas e escuras do que pretendia sondar. Camuflei o que pude para não causar dano a ninguém. E experimentei muitos pseudônimos para mim mesmo antes de chegar a uma escolha especialmente feliz. Em minhas anotações há ?Otto Otto?, ?Mesmer Mesmer? e ?Lambert Lambert?, mas por algum motivo acho que minha escolha exprime melhor minha malevolência.?