Ca Melo 01/08/2020O irlandês: um nacional de respeito (Com amor, Dublin - Livro 1)Ano passado tive a alegria de conhecer a autora Tayana Alvez a partir do seu primeiro romance Eu quero mais, uma das minhas melhores leituras de 2019. Nesse mês de fevereiro a Tay lançou mais um livro, O irlandês, e-book disponível na Amazon e também no Kindle Unlimited.
Pela segunda vez aceitei fazer parceria com a autora, mas confesso que com esse livro eu tive certo receio e até demorei alguns dias para de fato começar a ler. Para ser sincera eu me afasto de livros com esse tipo de capa, porque geralmente são do gênero hot e eu particularmente não gosto, mas apesar do meu preconceito não me arrependo de dar uma chance para O irlandês, e principalmente dar uma chance à história da Júlia.
Antes de falar especificamente sobre esta protagonista, um dos primeiros motivos que me fez seguir na narrativa é o ritmo envolvente da autora. Em poucas páginas eu estava imersa na história de uma forma que eu não conseguia parar de ler. A Tayana conseguiu transmitir seu humor para as cenas, para os diálogos e até mesmo para a voz de Júlia. Como estou acostumada com os stories e os áudios da autora para mim era a voz dela que estava na minha cabeça o tempo todo, inclusive com o sotaque carioca, rs.
Outro ponto que também me ganhou completamente foi o contexto em que a história se passa: a vida de intercambio na Irlanda! Munida de todas as suas experiências, a autora retrata em seus personagens a realidade de se estudar fora do país. Sem romantizar, e principalmente glamorizar a vida na Europa, os personagens aqui apresentados precisam conciliar a vida de estudos com uma rotina exaustiva de trabalhos, e sim trabalhos no plural. Muitos deles chegam a ter três diferentes tipos de trabalho, com horários variados e inclusive nos finais de semana para garantir seus euros. Júlia chega a trabalhar como garçonete, cuidadora de idosos e babá (e aqui há uma variedade dos tipos de babás a partir da quantidade de horas e crianças que elas cuidam).
Mas, nem tudo é sofrimento! A Irlanda é um dos países que quero conhecer e adorei a experiência de ler mais um livro que tem esse cenário. O livro também aborda as questões culturais de Dublim: o clima chuvoso, os pontos turísticos e algumas curiosidades sobre o país, como a quantidade de filhos que as famílias costumam ter, a falta de motéis, muito provavelmente por conta do contexto religioso (sim, esse é um ponto mais para a parte hot, rs), a criação das crianças que difere dos hábitos brasileiros, e principalmente o costume (bem nojento) dos irlandeses de não tomar banho todos os dias.
Mas falando especificamente sobre a protagonista Júlia o fato dela ser negra já criou empatia por ela! Acho que vocês devem estar cansados de me batendo nessa tecla, mas eu fico cada vez mais feliz e realizada quando vejo uma história em que eu possa me identificar. A Júlia saiu de uma bairro da classe baixa no Rio de Janeiro para aperfeiçoar seu inglês na Irlanda. Ela está inserida num ambiente de pessoas extremamente ricas e por isso, realidade bem distinta da sua.
Caras brasileiros de um certo círculo social transam com meninas negras, apenas. Mas alguns caras brasileiros não ficam com meninas negras sob hipótese alguma.
E tem mais, gostei principalmente da maneira como a autora, (que vale lembrar também é negra), soube trabalhar de forma tão real a problemática dos relacionamentos que tem como consequência a solidão da mulher negra. Aqui vai tanto da questão da mulher negra ser objetificada pelos seus traços físicos, como o de ser vista como um prato exótico a ser consumido por aqueles curiosos em prová-lo (e aqui a referência à comida não foi pensada de forma aleatória). Ao mesmo tempo esses curiosos não conseguem manter um relacionamento sério, do tipo de apresentar suas conquistas às famílias simplesmente por a mulher ser negra. Sim, infelizmente o racismo ainda precisa ser muito abordado nas narrativas, de forma a conscientizar os leitores, não por acaso eu defendo o feminismo negro e até lembrei que tem um episódio específico sobre esse assunto na série Dear White People (Cara gente branca), que dialoga também com o colorismo na raça negra. E
Essa sensação de nunca ser boa o bastante, de ser parada por causa da minha cor, de ser uma subcategoria de mulher porque nasci com mais melanina do que outras pessoas.
Por conta de diversas experiências desastrosas nesse sentido, Júlia traz consigo uma bagagem emocional que a deixa insegura, principalmente com uma possível aproximação com Robert, O Irlandês (o boy magia branco, loiro de olhos claros). Ele contrata Júlia para cuidar das suas duas filhas, e é nessa relação da Júlia com as garotinhas que são abordadas as diferenças educacionais de um país e outro. Mas sabemos que há algum mistério nessa história com a mãe das meninas, e esse também é um fator que torna a leitura tão instigante e viciante.
No meio disso tudo Júlia e Robert precisam saber lidar com a intensa atração sexual que sentem um pelo outro, e aí que entra a parte hot da história, que particularmente não me incomodou. O que senti foi que com todo o contexto em que os personagens são inseridos esse aspecto não ficou exagerado, mesmo porque em Eu quero mais as tensões sexuais também são bastante intensas. Até mesmo nos livros da Marian Keyes, não há floreios para descrever as relações e os sentimentos dos personagens envolvidos.
A história tinha tudo para ser um dos clichês que não suporto mais ver em histórias românticas: o cara escroto mal compreendido por conta de algum trauma do passado, mas a autora seguiu para um caminho que me deixou muito satisfeita e com um quentinho no coração. Mas eu senti falta de conhecer um pouco mais a fundo os amigos que moram na mesma república que a Júlia, seria interessante ter mais cenas sobre as princesas e os demais garotos da casa.
Conversando com a Tayana após concluir a leitura, percebi o quanto estava grata por ter superado os meus próprios preconceitos em relação aos livros deste gênero. O irlandês seria um livro que passaria batido para mim, e algumas experiências da Júlia coincidiram com algo novo que tenho vivido nas últimas semanas, tornando a experiência ainda mais especial.
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