spoiler visualizarZé - #lerateondepuder 01/12/2019
O Médico e o Monstro
Escolher o livro O Médico e o Monstro para uma resenha é uma ótima oportunidade para trazer ao debate a dualidade que todo homem vive, aquela do verdadeiro bicho que existe em cada pessoa. Cientificamente falando, antes de pensarmos racionalmente, nossos instintos, por vezes, falam mais alto e, para atender as necessidades mais básicas do ser humano, os valores morais e as regras sociais nem sempre funcionam como freio de nossa vontade. Esse talvez seja o mote do livro que será abordado.
O Médico e o Monstro é, pelo seu tamanho reduzido, uma novela bem ao estilo gótico, onde impera os cenários sombrios e enfumaçados da Londres do século XIX, em uma atmosfera chocante, onde o suspense e até mesmo o terror vão dominando a trama, na medida em que é contada. Escrito no ano de 1886, a obra retrata o tema crimes decorrentes de uma organização social pós Revolução Industrial, carente de mecanismos que pudessem conter a criminalidade. A criação da Scotland Yard, a famosa polícia londrina, que precede um pouco a publicação desta novela, é uma resposta do Estado no sentido de conter a onda da barbárie que acontecia por conta do crescimento populacional desordenado, fruto da migração do campo para as cidades, bem o caso da Londres de milhões de habitantes dos anos 1800.
Quanto aos personagens, o protagonista é um médico respeitado, famoso e filantropo da sociedade, o Dr. Henry Jekyll, que em suas pesquisas científicas e experiências químicas desenvolverá uma poção que o transformará em uma criatura fisicamente diferente e horrível, mas ainda pior quanto ao aspecto moral, capaz de realizar os atos mais desprezíveis, conhecido por Mr. Edward Hyde, uma criatura sem escrúpulos. Na sequência de importância, há o amigo e advogado do médico, o Sr. Gabriel John Utterson, que percebe a mudança em seu colega de anos e se esforçará para descobrir e tentar impedir o mal aflige seu camarada. Mr. Enfield é visto em passagens episódicas, sendo amigo do advogado, e Sir Danvers Carew é um respeitado membro da alta sociedade que acaba como vítima de Mr. Hyde. Demais personagens de relevância são o criado de Dr. Jekyll, conhecido como Poole e o Dr. Lanyon, também amigo do protagonista e que toma conhecimento dos experimentos de seu amigo.
A história começa com dois amigos Utterson e Enfield caminhando pela cidade, quando este último conta que certa feita avistou um estranho cidadão cruzar com uma criança, nesta esbarrando e jogando-a no chão com uma brutalidade desnecessária, o que muito chamará atenção dos espectadores, fazendo com que o agressor tivesse de pagar uma indenização à família da vítima, o que foi feito por meio da emissão de um cheque assinado como Hyde. Em seguida, Utterson descobre que Hyde é o único herdeiro previsto no testamento que Jekyll encomendara ao advogado, o que o deixa totalmente consternado. E a trama vai seguindo, mostrando como o monstro criado vai assumindo cada vez mais a vida de seu doutor criador, tendo como ápice o assassinato de Sir Danvers, ocasião em que parte da bengala de Jekyll é deixada no local do crime, o que comprova as suspeitas de Utterson em relação à verdadeira autoria do crime. Até que Utterson é chamado às pressas pelo criado Poole, por coisas muito estranhas estarem acontecendo na residência do Dr. Henry Jekyll e, lá chegando, encontra o corpo morto e retorcido daquela figura monstruosa.
O epílogo do livro terá um capítulo dedicado à confissão completa de Henry Jekyll, procurando esclarecer que ele teve tudo para ser uma pessoa sã, rica e respeitada, mas que tinha ciência de seus defeitos e vontades , começando a perceber que existia em seu íntimo a dualidade de seu caráter e de que, à medida em que passava o tempo, “ia-se cavando um profundo fosso que separa o mal do bem e compõe a dualidade da nossa alma” ou “que o homem não é realmente uno, mas um duplo” (transcrição).
Escrito pelo escocês Robert Louis Stevenson, autor de outras belíssimas obras como A Ilha do Tesouro, O Demônio da Garrafa e Olalla, Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde ou O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde teve um certo sucesso por ser apenas uma literatura de terror, com boas vendas. Seu reconhecimento hoje é muito mais por ser uma referência para a literatura no aspecto das múltiplas personalidades. Assim como Frankenstein e Drácula, foi e é inspiração para diversas outras publicações como livro Mary Reilly, de Valerie Martin, também um grande estímulo para o mestre do suspense, Stephen King. Há adaptações diversas para o cinema, como as do ano de 1931, 1941, 2002.
Por fim, a principal mensagem que o livro quer passar, a meu ver começa pelo nome do personagem Hyde, do termo em inglês to hide que se traduz por esconder. É possível compreender que o médico e cientista criará um medicamento que, sem qualquer tipo de hipocrisia, permitirá a liberação total de uma personalidade nefasta (Mr. Hyde), que cometerá todo o tipo de crueldade na busca por seu prazer individual, carnal e cruel, que o tornará livre e sem remorso das amarras sociais, em contraponto ao cidadão respeitado, que segue todos os estereótipos impostos pela sociedade e de conduta ilibada (Dr. Jekyll). Na verdade, a poção não cria propriamente o monstro, mas liberta o mal mais profundo que reside em cada ser. Traz a possibilidade de refletir como todo o ser humano tem o seu lado mais nefasto.
A leitura é rápida e não há termos tão rebuscados, mas elucida o contexto de dois séculos atrás, o que pode desinteressar os mais jovens. É de domínio público na língua inglesa e pode ser encontrada a preços acessíveis ou baixada em: http://lelivros.love/book/baixar-livro-o-medico-e-o-monstro-robert-louis-stevenson-em-pdf-epub-e-mobi/, acesso em: 01 dez. 2019. A edição resenhada é a bem trabalhada e encadernada da Editora Martin Claret, traduzida por Roberto L. Ferreira no ano de 2017, que traz na mesma publicação os clássicos Frankenstein e Drácula. Paz e Bem!
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