Augusto Stürmer Caye 31/01/2023
Pelo fim da Meritocracia e dos Tecnocráticos
Este não é um livro fácil de ser resenhado pela amplitude de assuntos que são abordados. Em síntese, é uma crítica ao sistema meritocrático que temos hoje arraigado no mundo, com todos seus prejuízos na economia, no trabalho, na sensação de dignidade, na política, na desigualdade e na educação. Não vou mentir: mudou minha forma de pensar.
Mérito, na antiguidade, significava uma virtude moral e ética, que lhe conferiam uma habilidade de debater sobre o bem comum. Hoje, corresponde a sua produção econômica e habilidades técnicas, e está mais relacionado ao seu sucesso pessoal do que a sua virtude moral. Essa nova lógica sobre o mérito justifica as desigualdades sociais oferecendo a mobilidade social entre classes como razão; porém, a realidade é que as sociedades não apenas continuam muito estratificadas, como a desigualdade entre elas tem aumentado.
O princípio de igualdade de oportunidades, que tenta - fracassadamente - reparar esses danos oferece a educação como forma de ascensão social. Entretanto, o ensino superior (i) ainda tem pessoas de maior renda preenchendo mais fileiras de classe; e (ii) agrava ainda mais as desigualdades, agora entre quem tem e quem não tem um diploma superior. Não por acaso, a renda dos bachareis é hoje muito superior daqueles que não possuem um diploma universitário.
Esse fascínio pelo mérito gerou, na política, a tecnocracia: o governo dos experts. Há cada vez mais uma valorização dos peritos técnicos dentro do governo. Porém, um diploma universitário não é uma garantia de que você tem a devida capacidade de discorrer sobre o que é o melhor a se fazer, dentro de uma perspectiva de bem comum, moralidade e atitudes cívicas; como exemplifica o autor: basta ver que o governo do Kennedy, dos the best and brighests, levou os EUA à guerra do Vietnã, e o governo do Attlee, no UK, que tinha mais pessoas sem educação formal e, inclusive, muitos mineiros, foi quem criou o sistema de saúde britânico que é hoje referência no mundo.
Ter um diploma lhe garante expertise para discorrer tecnicamente o assunto, não moral e civicamente. Mesmo assim, o diploma universitário no governo tecnocrático virou pré-requisito, e cada vez mais há um distanciamento entre o povo e os governos. No Brasil, apenas 17% da população tem um diploma universitário (IBGE, 2019) R$ 60 mil de patrimônio (OXFAM, 2017); em comparação com nossos deputados federais, o patrimônio médio é de R$ 3 milhões e 83% são bachareis (dados do resultado das urnas de 2022).
A meritocracia cria uma divisão entre vencedores e perdedores, onde estes se sentem humilhados e aqueles uma ansiedade e arrogância, Além disso, há uma sensação de perda de dignidade no exercício do seu trabalho que prejudica ainda mais as relações e o debate público.
Não é por acaso que houve uma ascensão do populismo totalitário. Políticos como Trump identificaram essa massa de pessoas que se sentem desprestigiadas e as deu voz. Entretanto, o caminho que eles oferecem não é o melhor e não resolve o problema meritocrático; tanto o é, que não por acaso que já estamos vendo, em 2022, um arrefecimento das tendências daquela época.
A meritocracia deve dar lugar a uma nova forma de fazer discurso. Precisamos voltar a dar valor às pessoas por serem seres humanos e a valorizar o trabalho exercido pela sua contribuição à sociedade. O livro não chega a abordar o que devemos fazer exatatamente, mas acho que é proposital: precisamos debater isso entre nós.
Muito bom, recomendo a qualquer um que goste de política, filosofia ou meritocracia.