Alan.Sousa 30/10/2020
O livro expõe uma visão bem convincente de que, nas últimas quatro décadas, a fé exagerada na meritocracia gerou uma injustiça perversa na sociedade dos EUA (e também na de outros países), dividindo-a entre “vencedores” e “perdedores”, enfraquecendo valores nobres como a solidariedade e a humildade, ao mesmo tempo em que estimulou a arrogância meritocrática, que julga com aspereza aqueles que são rotulados de fracassados. Aparentemente, a meritocracia está por trás de alguns dos principais problemas contemporâneos, como a ameaça à democracia, o crescente apoio a populistas com tendências autoritárias, a perda do senso de comunidade, a desvalorização e o preconceito contra trabalhadores comuns (principalmente sobre aqueles que não possuem diploma universitário), a notória e triste tendência de aumento dos casos de depressão no mundo, sobretudo entre os mais jovens (uma tal de “epidemia de perfeccionismo oculta” ou “doença meritocrática”) etc. Muito do que é exposto também pode ser notado na sociedade brasileira atual. É gratificante adquirir uma nova visão de mundo durante a leitura e perceber que precisamos resgatar certos valores cívicos. O lado duro é reconhecer que todos nós apresentamos, em maior ou menor grau, essa tal da arrogância meritocrática e que não vai ser fácil superá-la. Apesar de ser uma obra de filosofia política, contém uma linguagem bem acessível, como todos os demais livros do Michael J. Sandel que são voltados ao público em geral (“Justiça: o que é fazer a coisa certa”, “Contra a perfeição: ética na era da engenharia genética” e “O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado”).
Apenas um pequeno trecho da obra: "Vale a pena notar que o regime do mérito exerce sua tirania em duas direções ao mesmo tempo. Nas pessoas que chegam ao topo induz à ansiedade, a um debilitante perfeccionismo e à arrogância meritocrática que se esforça para esconder uma autoestima frágil. Nas pessoas que deixa para trás, ela impõe um desmoralizante, até mesmo humilhante, senso de fracasso. Essas duas tiranias compartilham de uma fonte moral comum: a permanente fé meritocrática de que somos, como indivíduos, totalmente responsáveis por nosso destino; se formos bem-sucedidos, é graças a nossas próprias ações, e se fracassarmos, não podemos culpar ninguém, a não ser nós mesmos. Apesar de soar inspirador, essa dura noção de responsabilidade individual faz com que seja difícil usar do senso de solidariedade e obrigação mútua que poderia nos suprir para enfrentarmos a crescente desigualdade de nosso tempo." (Sandel, Michael J., p. 255).