soso.anami 14/07/2021
impossível parar de ler
No romance de estreia da autora Ashley Audrain – que, curiosamente, escreveu a obra enquanto encontrava-se em licença maternidade – somos apresentados a uma nova perspectiva acerca dos tabus do que é ser mãe. A escrita eletrizante de Audrain tem a capacidade de deixar o leitor angustiado durante toda a experiência com seu livro. Além de que, é claro, é praticamente impossível deixa-lo de lado até que terminemos a leitura.
A sinopse é bastante simples: nossa narradora, Blythe Connor, está decidida a ser a mãe que nunca teve. Ela leva uma vida pacata e almeja ser escritora. Porém, quando sua filha vem ao mundo, Blythe começa a desconfiar do estranho comportamento da garota. Seria tudo fruto da imaginação da mulher assolada pela depressão pós-parto e pela exaustão da maternidade, ou a criança representa, de fato, uma ameaça iminente?
Como um bom thriller de suspense, somos introduzidos logo de cara ao dilema do “narrador não confiável”. Mas não porque a personagem bebe, abusa de medicamentos ou tem transtornos mentais. Ela é apenas mãe. Já seu marido, Fox, cumpre o típico papel do “pai negligente”, que sempre defende a perfeição da filha e o quanto todas as suspeitas de Blythe são infundadas. “É apenas cansaço, nada mais que isso”. “Você está exagerando”.
Olhem, preciso já ressaltar o quanto esse livro é bem desenvolvido. A escrita de Ashley Audrain é angustiante, como já mencionei, e a autora sabe trabalhar muito bem seu próprio universo. A história que ela conta através de sua protagonista é verdadeiramente viciante, e eu realmente não consegui largar o livro de lado. Eu o devorei em pouco mais de 24 horas.
É claro que sua estrutura permite tal prática. Em pouco mais de 300 páginas, somos capazes de mergulhar naquele universo materno tão conturbado. A história – que conta com começo, meio e fim bem delimitados – é muito envolvente. Entretanto, não ao ponto em que nos sintamos próximos aos eventos que assolam a família Connor. A impressão que dá é de que somos indesejáveis tanto quanto Blythe; observando a tudo de longe. Quase em escanteio. Sem que nos seja permitido tomar qualquer decisão.
Gostei muito dos personagens. Todos são muitíssimo bem construídos, e a narrativa flui com facilidade entre as gerações de mulheres do passado de Blythe – avó, mãe, filha. Todas possuíam aversão à maternidade e isso as impossibilitou de alcançar felicidade durante suas vidas. Entretanto, ao nascer Violet (a 4ª geração), Blythe insiste em acreditar que seria diferente das outras mulheres da sua família. Ela seria uma boa mãe. Talvez, não para Violet. Ou ainda o problema de fato não fosse com ela, e sim com a garota. Seria ela uma boa filha?
É muito interessante a forma como estes conceitos maternos são abordados na história. O pretexto da “maternidade compulsória” – que remete muito bem ao título do livro em português – é explorado com maestria durante o avançar da narrativa. O papel da mulher é colocado em perspectiva, desenvolvendo cada pedacinho da dedicação do que é ser mãe, de fato.
Como já ressaltei, gostei demais da escrita da autora. Ela utilizou de metáforas tão sutis e inteligentes que fizeram com que eu imergisse ainda mais em seu mundo. Ela intercala os capítulos entre passado e presente de Blythe, bem como explora ainda – com muita destreza – os históricos de Cecilia (mãe) e Etta (avó) enquanto lutavam contra a exaustão psicológica da maternidade. Toda essa conexão leva a crer que Violet possa ter sequelas desta falta de amor materno perpassada durante as gerações anteriores. De qualquer forma, ao final do livro, fica evidente a intenção da autora.
Por falar em conclusão, simplesmente adorei a utilizada em “O Impulso”. Apesar de direta e simples, a última frase carrega todo um poder quase eletrizante, fazendo com que fechemos o livro – ou desliguemos o Kindle – verdadeiramente satisfeitos. Ainda que não muito conclusivo, a escolha de Ashley Audrain para finalizar seu romance de estreia é genial e coerente.
Outros detalhes acerca da obra não passam despercebidos, como é o caso da escolha para a capa. A ilustração é bonita e condiz 100% com o enredo da história. A fonte do título também é muito interessante, tudo minimamente pensado para fazer sentido ao leitor – principalmente após o termino da leitura.
Assim, fica aqui minha recomendação de livro a você que lê agora esta singela crítica. “O Impulso” é eletrizante, muitíssimo bem escrito e a história vai te envolver até a última página. Este é o tipo de obra que cura qualquer ‘ressaca literária’. Aguardarei ansiosa pelos próximos títulos da autora.